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Tesouros roubados

Com um fabuloso acervo de obras de arte e documentos históricos, o Rio é também a cidade com o maior número de peças furtadas no país

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h39 - Publicado em 10 fev 2012, 17h55

Ao longo de quase 200 anos como capital da colônia, do Império e da República, o Rio acumulou um monumental acervo de peças artísticas e documentos históricos, hoje guardados em dezenas de museus, bibliotecas, arquivos públicos e, principalmente, igrejas. Tal conjunto, de valor incalculável, tornou-se infelizmente um chamariz para larápios especializados em roubar antiguidades. Da lista de mais de 1?500 obras desaparecidas no Brasil, compilada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), 409 foram surrupiadas de coleções cariocas, número que nos coloca como campeões absolutos no país em crimes desse tipo (veja o quadro ao lado). Os objetos são na maioria de arte sacra, cobiçados por uma voraz rede de receptadores que abastece pequenas galerias, antiquários, colecionadores particulares e, dependendo do período em que foram produzidos e do autor, o mercado internacional. Lá fora, o submundo da rapinagem artística é um colosso, com movimento médio anual estimado em 5 bilhões de dólares. Trata-se da terceira atividade ilegal mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o contrabando de armas e o tráfico de drogas.

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Não é preciso muito esforço para entender as razões que nos levam a ocupar a constrangedora primeira colocação no ranking nacional. Basta visitar as instituições que guardam tais objetos para notar os sistemas de segurança frágeis e a situação precária em que esse tesouro é mantido. Também contribui a falta de fiscalização sobre o que se negocia no opulento mercado de antiguidades. Mas o problema central são os parcos recursos aplicados na conservação das joias artísticas e históricas do país. Em média, o governo federal destina anualmente cerca de 1,6 milhão de reais ao Iphan, dos quais apenas 1,5% é investido em iniciativas ligadas ao controle e manutenção desse material. A título de comparação, o governo italiano gasta por ano 340 milhões de dólares com suas peças (o equivalente a 595 milhões de reais) – e isso porque a verba foi cortada pela metade nos últimos três anos. ?Desde que foi criado, em 1937, até 2004, o Iphan nunca havia tido uma gerência de bens móveis, o que atesta a fragilidade da instituição nesse campo?, afirma a vereadora Sonia Rabello, ex-diretora do órgão.

Outro grave problema diz respeito à catalogação das obras, área em que ainda engatinhamos. Dos 36?000 objetos tombados no Rio, pouco mais da metade está devidamente descrita e registrada no Iphan. ?Os inventários são importantíssimos, pois nos permitem evitar que artefatos roubados sejam vendidos em leilões, por exemplo. O problema é que catalogar esse acervo é um trabalho complexo, que conduzimos de acordo com os recursos que temos?, diz Cristina Lodi, da superintendência do Iphan no Rio.

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Entre os alvos mais cobiçados pelos ladrões, as igrejas têm lugar de destaque, tanto pela riqueza de suas obras como pela facilidade de acesso e falta de segurança. O Mosteiro de São Bento, com seu interior enfeitado por uma deslumbrante talha dourada, é especialmente visado. Lá estão o primeiro quadro pintado a óleo no país, de autoria desconhecida, e uma biblioteca com 35?000 volumes, entre eles raridades dos séculos XIV e XV, anteriores portanto ao descobrimento do Brasil. Nos últimos cinco anos, foram furtadas pelo menos seis peças da abadia. No episódio mais recente, um enorme lampadário de prata com meio metro de altura desapareceu da Capela de São Brás, há dois anos. As câmeras de vigilância instaladas ali tiveram pouca utilidade diante da ousadia dos bandidos. ?A Polícia Federal esteve aqui quatro vezes para fazer perícia, mas até hoje não houve avanços na investigação?, lamenta Dom Mauro Fragoso, diretor de patrimônio do mosteiro.

Embora menos vulneráveis do que as igrejas, instituições de acesso controlado também sofrem com a rapinagem. Em 2010, as duas primeiras edições de O Tico-Tico, a mais antiga revista em quadrinhos editada entre nós, sumiram da Biblioteca Nacional, provavelmente carregadas na bolsa de um pilantra disfarçado de pesquisador. Quatro anos antes, ladrões haviam levado do Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa, quatro telas, pintadas por Claude Monet, Pablo Picasso, Henri Matisse e Salvador Dalí. Desde então, essas obras, capazes de fazer brilhar os olhos de colecionadores de arte de todo o mundo, foram inscritas na lista de bens roubados. Infelizmente, as chances de saí­rem dela são próximas de zero.

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