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Relíquias à venda

A coleção da galerista Anna Maria Niemeyer, com obras do pai, Oscar, e de mestres internacionais, vai a leilão

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h19 - Publicado em 31 out 2012, 16h52

Por mais de três décadas o nome de Anna Maria Niemeyer foi referência no mercado de arte brasileiro. Conhecida pelo olhar eclético e livre de preconceitos, a galerista lançava artistas novatos munida do mesmo entusiasmo com que tratava nomes consagrados de seu elenco. Vitimada por um tumor no pulmão, a única filha do arquiteto Oscar Niemeyer morreu em 6 de junho passado, aos 82 anos. Fumante inveterada, ela havia largado o cigarro doze anos antes, mas lutava contra um enfisema pulmonar. Por vontade dos quatro filhos de Anna Maria, os espaços no Shopping da Gávea e na Praça Santos Dumont que levam seu nome e receberam mais de 400 exposições desde 1979 fecharam as portas definitivamente. O passo seguinte foi dar um destino ao rico acervo pessoal da galerista. As cerca de 700 obras adquiridas ao longo da vida, entre pinturas, esculturas, desenhos e mobiliário, avaliadas em 5 milhões de reais, serão leiloadas entre segunda (29) e 1º de novembro, no Atlântica Business Center, em Copacabana.

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Embora não fosse uma colecionadora no sentido clássico, como são Gilberto Chateaubriand e João Sattamini, Anna Maria formou um conjunto expressivo. Há trabalhos de nomes que ajudou a lançar, como Jorge Guinle, Victor Arruda e Beatriz Milhazes ? que assina a tela mais cara do leilão, avaliada em 800?000 reais ?, e medalhões do porte de Iberê Camargo, Volpi e Di Cavalcanti. “Leiloar obras que nos acompanham desde a infância é doloroso. Mas foi uma decisão acertada, já que nenhum de nós tem a vivência do mercado de arte nem daria prosseguimento ao trabalho da minha mãe tão bem quanto ela”, afirma Carlos Oscar Niemeyer, um dos herdeiros.

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No conjunto de artistas iniciantes que tiveram o empurrão de Anna Maria, o caso de Jorge Guinle é um dos mais significativos. Filho do playboy Jorginho Guinle, o pintor morto em 1987 em decorrência da aids sofreu preconceito às avessas quando tentava dar um salto na carreira. O sobrenome de família tradicional, associado à fama de bon-vivant do pai, fez a crítica de início torcer o nariz para seu trabalho. A galerista apostou na pintura vigorosa de Jorge, que logo em seguida se tornaria um dos precursores da chamada Geração 80. A tela Sereias (1985), de Guinle, terá lance mínimo de 350?000 reais, mesmo valor de Mulher no Espelho (1953), de Di Cavalcanti. Com seu faro para descobrir talentos, Anna Maria também foi pioneira ao expor trabalhos de artistas fora do eixo Rio-São Paulo. Em meio à sua coleção majoritariamente brasileira figuram ainda peças de Salvador Dalí, com uma escultura da série La Venus aux Tiroirs, e Picasso, cujo prato de cerâmica em relevo foi dado de presente pelo pintor à galerista. “Ela nunca se prendeu a um estilo, época ou lugar. Bastava gostar da obra para expor”, afirma Soraia Cals, organizadora do pregão.

Antes de se tornar uma respeitada galerista, Anna Maria foi importante parceira do pai em projetos de arquitetura. Formada no primeiro curso oficial de desenho de interiores no Rio, ela assinou boa parte do mobiliário do Congresso Nacional e dos palácios do Planalto e da Alvorada, em Brasília. Nesse último ela escolheu absolutamente tudo, da roupa de cama às toalhas de mesa e talheres. Dali em diante, a então desenhista passou a cuidar também do acervo de Niemeyer, com quem manteve uma relação muito próxima até o fim da vida. Os dois se falavam ao menos quatro vezes por dia, e pessoas próximas à família contam que o arquiteto só obedecia à filha. No leilão haverá 116 trabalhos de Niemeyer à venda. Entre os destaques, a série de desenhos comemorativos de seus 80 anos pela qual o Museu de Arte Moderna de Nova York fez uma oferta que Anna Maria recusou.

De temperamento forte e ao mesmo tempo discreto, a galerista teve papel central na construção do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC). Depois que o monumento em forma de disco voador foi inaugurado, a cidade foi projetada internacionalmente. Grande amiga de João Sattamini, que nos anos 90 procurava um prédio para guardar sua coleção, Anna articulou junto ao prefeito de Niterói a execução do projeto, realizado de graça por seu pai. “Apesar de ter sido uma grande colaboradora do Oscar, ela sempre fez questão de ter uma carreira independente”, lembra o curador Marcus Lontra. Para quem não puder comprar as preciosidades de um acervo tão valioso ainda resta um consolo. No fim do ano, o Paço Imperial realiza uma exposição com as peças que irão a martelo, encerrando de vez a bem-sucedida trajetória de Anna Maria.

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