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Os vigilantes imperiais

Com métodos de detetive, grupo controla infestação que dizimou dezoito palmeiras da aleia do Jardim Botânico

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 13h12 - Publicado em 26 fev 2014, 20h50

Um trio desperta estranheza entre os frequentadores do Jardim Botânico. Em vez de repetirem o ritual de passeios relaxados, como fazem cariocas e turistas maravilhados com a natureza local, Maria Lúcia Moscatelli, Marcos Nascimento e Geisler Vanil agem de forma compenetrada, munidos de lupas, mapas e recipientes de vidro. Em diligências semanais, que começam pela manhã e só terminam no fim da tarde, examinam minuciosamente cada metro quadrado do santuário, numa área equivalente a 54 campos de futebol que reúne mais de 3?300 espécies. A extrema seriedade da ação mostra que não são meros aficionados do verde. Na verdade, estão à caça de um besouro conhecido como broca, um inimigo minúsculo e com grande poder de destruição. Esse inseto é responsável pela disseminação de um fungo letal, capaz de matar em apenas dois meses uma palmeira-imperial, árvore que é o cartão-postal da cidade. Trata-se do microrganismo Ceratocystis paradoxa, que em 2002 chegou ao horto carioca após atingir palmeiras na Bahia, no Ceará e no Amapá. Em apenas quatro anos, dizimou dezoito exemplares do corredor de palmeiras que compõem as aleias do Jardim Botânico. Com alto grau de contágio e resistente a fungicidas, ele poderia levar ao colapso todas as 500 palmeiras do parque. “O único jeito de erradicar a doença é controlar a população de insetos, um trabalho que não termina nunca”, diz Maria Lúcia, pesquisadora responsável pelo controle de pragas do local. “Eliminamos pontos de aglomeração, como folhas e galhos mortos, para que não se espalhem novamente”, diz.

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A operação de salvamento teve início há dez anos, quando foi criado o Laboratório de Fitossanidade do Jardim Botânico. O centro é responsável por diagnosticar e controlar todos os tipos de pragas, numa tarefa altamente desafiadora. Durante a última década, os pesquisadores identificaram 751 insetos potencialmente prejudiciais aos vegetais. Para piorar, o parque sofre pressão adicional por estar em área urbana, onde não há predadores naturais. Responsável pela infestação mais grave a atingir o santuário, o fungo em questão se instala em orifícios feitos por besouros nos troncos. Em apenas dois meses pode entupir por completo os canais responsáveis por transportar a seiva da planta de sua base à copa, levando o organismo a um repentino colapso. Sem nutrientes, o topo das árvores, a 30 metros de altura, fica amarelo e apodrece até despencar sem vida.

Após a identificação do patógeno, em 2006, com a ajuda de profissionais da Universidade Federal Rural do Rio, teve início uma autêntica operação de guerra. Pesticidas foram despejados de guindastes de 40 metros de altura, mas o microrganismo mostrou-se resistente. Decidiu-se, então, pelo controle dos vetores da doença. Dois anos depois, 56 novos exemplares de palmeira-imperial foram plantados para recompor as desfalcadas aleias. O conjunto de medidas teve sucesso, e a mortalidade baixou drasticamente. O último exemplar sem vida foi retirado dali em março de 2013. “De tanto examinar, olho de longe e já sei se estão doentes”, conta Maria Lúcia. “Conheço o estado de cada um dos meus pacientes”, brinca.

Criado por dom João VI em 1808, o Jardim Botânico se insere na grande transformação provocada pelo desembarque da corte portuguesa naquele ano. Com o intuito de igualar o Rio às grandes capitais europeias, não foram economizados dinheiro nem esforço para transformar um antigo engenho de açúcar no mais exuberante jardim. Das longínquas Ilhas Maurício, no Oceano Índico, veio a primeira muda de palme­ira-imperial. Mesmo sob a ameaça de intempéries e pragas, ainda existem exemplares remanescentes do século XIX, já que seu ciclo de vida está em torno de 150 anos. Além das imponentes árvores-símbolo, o Jardim Botânico serve de abrigo a espécies em extinção, como o pau-brasil, e transformou-se em destacado centro de estudo. Atualmente, a diretoria de pesquisa científica tem 49 projetos em andamento. Seus domínios contam também com o maior herbário do país, um banco de dados onde estão disponíveis informações sobre 650?000 amostras de plantas. Com um patrimônio de valor incalculável à disposição de todos, manter afastado todo tipo de ameaça é missão árdua mas indispensável à sobrevivência do parque.

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