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Com espírito ogro, cariocas levam para a rede suas comilanças

Adeptos dos pratos exagerados fazem sucesso na internet com vídeos e fotos de porções supercalóricas, sem dar a mínima aos riscos para a saúde

Por Fabio Codeço e Rafael Cavalieri
Atualizado em 2 jun 2017, 12h57 - Publicado em 17 out 2014, 21h00

 

Com uma extensa faixa litorânea por onde desfilam corpos esculturais, o Rio é mundialmente conhecido como a capital da boa forma. Redes de academias incham como músculos na cidade, e dietas das mais variadas são seguidas religiosamente pelos cultuadores dos corpos longilíneos e sarados. Na contramão dessa turma, há quem resista bravamente à supersafra de produtos saudáveis que invade o mercado e prefira manter-se fiel ao prazer de comer sem contar calorias, carboidratos ou o nível de sódio. São pessoas que torcem o nariz para a dieta paleolítica e, no lugar do whey protein, optam por ingerir a proteína em si — de preferência em forma de bacon, costela ou pernil. Para acompanhar, trocam copos de suco verde por tulipas de cerveja. Linhaça? Gergelim? No máximo, em cima do pão que envolve o hambúrguer. Exagerados por natureza, os membros desse grupo só têm uma preocupação: comer e beber sem moderação. “Sou contra essa ditadura da alfacezinha aqui, do integralzinho ali. Não resisto, por exemplo, ao joelho de porco do Herr Pfeffer e não deixo de lado nenhuma gordurinha”, confessa o fotógrafo Márcio Carvalho, referindo-­se ao prato de 6 quilos feito apenas sob encomenda. Dotado de um apetite voraz, ele teve a ideia de criar com o amigo Ricardo Gasparini um canal de vídeos no YouTube, batizado de A.C.R. — Álcool, Comida & Rock’n’Roll, em que registram suas aventuras gastronômicas pela cidade e preparam, sempre na companhia de uma boa gelada e de um som da pesada, pratos nada modestos. Com seus esquetes de receitas, já atraíram cerca de 120 000 internautas.

Ogrostonimia
Ogrostonimia ()

Pesando 100 quilos e capaz de devorar um hambúrguer de 1 quilo, Carvalho é um típico representante de uma turma que pretende deliberadamente confrontar os adeptos do  politicamente saudável à mesa e difundir sua visão de mundo — ou de mesa — na internet, em programas de televisão ou em livros. Trata-se de ativistas da glutonaria que veneram pratos servidos em porções gigantes e elaborações que remontam aos tempos em que fartura era sinônimo de bastante carne, gordura e molhos. Há casos em que essa opção desavergonhada por um padrão de alimentação que muitos consideram obsceno extrapola o estilo e vira meio de vida. Unidos pela vontade de comer (demais), Boris Henningsen, Guto Senra, Jimmy McManis e Marcelo Neves compõem o grupo Ogrostronomia, cujo nome foi inspirado no ogro verde que batiza a série de animação Shrek, famoso por seus hábitos repugnantes à mesa. A exemplo do Álcool, Comida & Rock’n’Roll, a turma começou produzindo vídeos para a internet e hoje assina receitas para casas como o Boteco Salvação. O quarteto chegou a pensar em abrir um pequeno restaurante, mas os altos custos de aluguel adiaram o projeto. Enquanto isso, eles preparam a versão carioca do Guia da Culinária Ogra, projeto do jornalista André Barcinski, cuja edição paulistana vendeu 15 000 exemplares. A publicação trará uma seleção de mais de 100 lugares frequentados por eles, como o Hipódromo da Gávea, onde o prato preferido é o filé à parmigiana. “Chega transbordando dos lados numa assadeira de inox de 30 centímetros de comprimento”, descreve McManis, que chegou a comer 42 fatias de pizza de uma só vez, o equivalente a mais de 8 000 calorias.

Se por aqui o movimento ogro ainda está restrito a um grupo de iniciados, nos Estados Unidos há uma verdadeira legião de adeptos que se atracam sem restrições às comidas calóricas. São populares por lá os bizarros desafios culinários em que lanchonetes e restaurantes premiam os clientes que conseguem devorar, em um curto espaço de tempo, montanhas de comida na forma de pizzas, sanduíches e outros pratos gigantes — um exemplo é o Man VS Food, exibido no Brasil pela Fox Life. No caso do Rio, a fixação por alimentos bombásticos tem uma explicação cultural, que vai além da invasão dos produtos industrializados nas prateleiras dos supermercados. O gosto por comida pesada está presente entre os cariocas por herança dos portugueses. Lar da corte entre 1808 e 1820, a cidade absorveu o apreço dos lusitanos pela mesa farta, hábito mantido até hoje por casas mais tradicionais da cidade, não por acaso os destinos preferidos dessa turma. Notório glutão, dom João VI costumava organizar banquetes regados a muita comida e bebida e tinha a fama de carregar frangos inteiros nos bolsos de seu casaco.

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infografico
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Gostar de pratos gordurosos, com uma friturinha, é realmente fácil. Esses alimentos, no entanto, são os principais responsáveis pelos efeitos danosos da alimentação desbalanceada à saúde. “O problema não é só a quantidade de calorias, mas o descompasso entre o que se ingere e o que se gasta”, explica o médico Mario Carra, presidente do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “As consequências, cedo ou tarde, chegam.” Chegaram cedo no caso do cantor e compositor Gabriel da Muda, de 28 anos. Com 180 quilos conquistados com uma rotina que incluía feijoadas na madrugada e mais de dez esfihas no café da manhã, ele começou a acumular problemas no fígado, além de hipertensão. Ao soar o alarme, decidiu mudar de vida. Depois de um ano andando na linha e cumprindo uma dieta, perdeu 73 quilos, mas continua sem dispensar um bom botequim, como o Bar do Momo, onde come tranquilamente sozinho o t-rex, um bife de contrafilé de 600 gramas. Atenção: teoricamente, o prato é recomendado para três comensais. Em sua conta no Instagram, com quase 5 000 seguidores, ele mostra todo o seu apetite com imagens de pratos que engordam só de olhar — coxinha de rabada, sanduíche de carne assada e costela de porco entre eles. “Mas nos dias em que exagero procuro caminhar na praia. Vou de Copacabana ao Leblon e volto”, diz. “O problema é que na volta não resisto e acabo parando no T.T. Burger para comer um hambúrguer.” Pelo visto, é mais fácil livrar-se dos quilos extras do que do espírito de ogro.

infográfico 2
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