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O outro lado de Hollywood

Rodrigo Santoro, o ator brasileiro mais bem-sucedido no exterior, revela as delícias e os sufocos de viver entre as grandes estrelas do cinema mundial

Por Sofia Cerqueira, de Copiapó, Chile
Atualizado em 2 jun 2017, 13h11 - Publicado em 12 mar 2014, 18h02

Encravada no Deserto do Atacama, no norte do Chile, a cidadezinha de Copiapó mistura a atmosfera interiorana com traços de um pulsante centro econômico. Os prédios e as ruas não primam pela beleza, mas há bons hotéis e um intenso fluxo de trabalhadores. Tudo gira em torno da exploração do subsolo ? nas proximidades existem 48 jazidas de cobre, prata e ouro. O ar é extremamente seco e não chove há anos. Esse cenário estéril e ressequido tem sido o lar do ator Rodrigo Santoro desde janeiro. Ele filma ali The 33, uma superprodução de 27 milhões de dólares do estúdio americano Twentieth Century Fox baseada no drama vivido em 2010 por um grupo de mineiros presos por setenta dias a quase 700 metros de profundidade. Vestido com calça jeans e camiseta e calçando chinelos de dedo, o ator desfruta os pequenos prazeres do anonimato. Circula pelas ruas, vai ao supermercado e come empanadas de mariscos. Apesar de aparentar uma calma inabalável, vive um momento intenso de sua carreira. Antes de atuar no longa sobre os trabalhadores chilenos, ao lado do espanhol Antonio Banderas e da francesa Juliette Binoche, ele participou da comédia Focus, em que contracena com Will Smith, de uma biografia internacional de Pelé, do faroeste Jane Got a Gun, com Natalie Portman, dublou o personagem Túlio na animação Rio 2 e ainda atuou em um dos episódios da franquia Cities of Love, o Rio, Eu Te Amo. “O glamour se restringe à tela e ao tapete vermelho, quando ponho terno e poso de gatinho para as câmeras. O resto é vida real e muita ralação”, diz.

Reprodução
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O ritmo frenético de trabalho dos últimos meses apenas evidencia um fato: Santoro é hoje o nome brasileiro de maior expressão em Hollywood. Desde 2003, sua carreira contabilizou dezessete filmes no exterior, e seu trabalho mais recente pode ser conferido nos cinemas cariocas. É 300 ? A Ascensão do Império, continuação do longa de 2007, em que o ator ressurge como o bizarro Xerxes, seu papel de maior visibilidade internacional (veja a crítica na pág. 78). Para entrar na pele do rei persa, Santoro viveu um martírio durante as filmagens. Raspou praticamente todos os pelos do corpo e diariamente se submetia a sessões de maquiagem de quatro horas de duração, que começavam às 3 da manhã. Com o rosto cravejado de piercings de mentira, precisava tomar cuidado com seus movimentos ? caso algum deles se soltasse seriam necessários mais quarenta minutos para recolocá-lo no lugar. Para manter o físico sarado do vilão, seguiu uma rígida dieta à base de proteína e verduras. Tal restrição alimentar lhe rendeu pelo menos um constrangimento. Durante as locações na Bulgária, por não conhecer sequer uma palavra da língua, passou apuros em um supermercado enquanto procurava peito de peru, um dos raros itens permitidos em seu regime. “Não tive dúvida, cheguei para um atendente, dobrei os braços como se fossem asas e fiquei ali fazendo um glu-glu-glu para ver se ele entendia. Foi ridículo”, recorda. De volta ao hotel, usou um tradutor na internet e só aí conseguiu comprar a comida.

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Voltar às telas na sequência de um campeão de bilheteria é um feito notável em produções estrangeiras, ainda mais se o personagem tem maior destaque do que na produção inicial. Trata-se de um inequívoco sinal de sucesso. Outro indicador é contracenar com nomes estelares. Há três anos, Santoro teve a chance de conviver com Arnold Schwarzenegger ao longo das gravações de O Último Desafio (lançado em 2013), quando se sentiu como um garoto na frente de seu ídolo. Também fez um filme e um comercial com a estonteante Nicole Kidman. Mas foi com Benício Del Toro, detentor de um Oscar, que viveu uma experiência marcante. Durante as primeiras tomadas de Che (2009), em que interpretava Raúl Castro, o brasileiro travou diante do colega. Inseguro com o espanhol, que tivera um mês e meio para aprender, sentiu que as suas pernas bambearam assim que a câmera começou a rodar. Ao perceber o sufoco de Santoro, Del Toro pediu um tempo no set ao diretor Steven Soderbergh e ajudou-o a se acalmar. “Atuar lá fora é tarefa difícil e nem sempre bem-­sucedida. Ele não só conseguiu como é respeitado”, atesta Carlos Saldanha, diretor de Rio, Rio 2 e do episódio de Rio, Eu Te Amo. O colega Will Smith também é prolífico em elogios: “Ele é um desses raros atores talentosos e disciplinados que ainda são capazes de se divertir com o trabalho”.

O sucesso de Santoro no exterior pode ser creditado a uma junção de fatores. Mas não há como ignorar que sua beleza escancarou portas. Basta lembrar sua estreia em Hollywood, em As Panteras (2003), quando surgiu de torso nu ao lado de Cameron Diaz, sem proferir uma única sílaba. Três anos depois, já foi eleito um dos homens mais bonitos do cinema pela revista People. “É claro que fez bem ao ego conquistar esse tipo de distinção. Isso tem um peso para os estúdios lá fora. Mas eu não faço apenas galãs. Em Carandiru, por exemplo, tive de batalhar para ser um travesti”, diz. Aos 38 anos de idade, costuma dizer que sua excelente forma física é resultado da paixão pelos esportes (surfa, pratica ioga, joga futebol e se arrisca no snowboard). De fato, ele não é do tipo que passa creminhos ou frequenta clínicas de estética e beleza. Enquanto colegas gastam pequenas fortunas para manter a aparência, Santoro se dá ao luxo de exibir as primeiras marcas de expressão no rosto e, para um observador mais atento, uma obturação escura em um dos dentes superiores a cada vez que ri. “A única concessão que faço à vaidade é o uso de bloqueador solar”, diz.

Passar por apuros em lugares remotos como o Atacama ou a Bulgária é uma experiência comum para os astros de grandes produções. O.k., as viagens são feitas em classe executiva e a hospedagem inclui hotéis com relativo conforto. Mas, para um petropolitano que elegeu o Rio como domicílio, é necessário ter muita disposição para participar do jogo cinematográfico em escala global. O primeiro passo é encarar várias vezes ao ano a ponte aérea Rio-Los Angeles, um deslocamento de pelo menos doze horas de viagem, incluindo conexões. Depois, é preciso manter uma base na cidade onde ocorrem os testes e contatos com produtores. Na capital mundial do cinema, a rotina de Santoro transcorre bem longe das mansões de Beverly Hills, mais precisamente no bairro de West Hollywood, na área central da cidade. Ali, ele divide com um amigo dono de uma pequena empreiteira o aluguel de um apartamento de dois quartos. Entre contatos e reuniões em busca de trabalho, o ator leva uma vida sem glamour ? lava as próprias roupas nas máquinas do prédio e prepara suas refeições, geralmente massa e verdura. Profissionalmente, frequenta premières e noites de gala, muitas delas em Nova York, do outro lado do país. Também vai a festivais como Cannes, Toronto e Sundance, no Estado de Utah, este dedicado às produções mais alternativas. É um trabalho duro que tem dado certo. “Rodrigo tem carisma e características de uma estrela que transcende qualquer cultura. Vem recebendo muitos convites para produções de estúdio e independentes”, afirma Chuck James, da agência ICM, que representa nomes como Woody Allen e Jodie Foster.

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A carreira internacional de Santoro começou de maneira acidental. Após protagonizar Bicho de Sete Cabeças, um dos filmes nacionais que o projetaram lá fora, junto com Abril Despedaçado e Carandiru, decidiu surfar um mês na Califórnia e fazer um curso intensivo de inglês. Seu domínio do idioma de Shakespeare era precário. Engrenou outra imersão em Nova York. Até que surgiu um convite para atuar em um telefilme (The Roman Spring of Mrs. Stone, de 2002). Depois veio a participação em As Panteras e Simplesmente Amor (ambos em 2003). O sucesso na carreira, entretanto, não significa que Santoro ganhe fortunas. Em geral, recebe o piso salarial do sindicato americano: cerca de 3?000 dólares por semana de trabalho. Em alguns casos, esse valor muda, como aconteceu em A Ascensão do Império, cujo cachê ele não comenta. “Eu ganho dinheiro mesmo é com publicidade no Brasil”, revela. Pelos padrões do mercado, um nome do seu patamar abocanha de 500?000 a 1 milhão de reais por campanha. Ainda assim, está longe de ser rico. Seu patrimônio se reduz ao apartamento de três quartos que tem no Leblon, uma moto e uma caminhonete já bastante gasta pelo uso.

A vida nômade, dividida entre filmagens e contatos internacionais, tem seu preço. Para suportar as longas temporadas longe de casa e da família, Santoro criou estratégias para driblar a solidão. Leva sempre com ele um tapete de ioga, livros de poesia, uma caneca de chá, fotos da família e até de Athos, seu labrador de 15 anos. Não tem Twitter, Facebook nem Instagram, mas sempre que possível se vale da tecnologia para falar pelo Skype com os pais. “Não dá para ter tudo. Tem o lado da realização e o da saudade”, comenta, com os olhos marejados. Hoje o ator namora a atriz Mel Fronckowiak, de 26 anos, que atuou na novela Rebeldes, mas sua lista de conquistas inclui Gisele Bündchen, Fernanda Lima, Luana Piovani e Ellen Jabour. “Essas são as públicas”, brinca. Ele pensa um dia em se casar, ter filhos e comprar um sítio. Planeja ainda voltar ao teatro e estuda propostas para a televisão. Novela, no momento, é um assunto fora de questão. Precisa estar disponível para os estúdios estrangeiros. Deve voltar ao Rio no fim do mês, mas por pouco tempo. Está cotado para atuar em quatro novas produções neste ano, duas americanas, uma espanhola e outra chilena. Vida de estrela internacional é assim.

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