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Futuro em xeque

A crise financeira nas empresas de Eike Batista põe em risco uma série de projetos que ele banca na cidade

Por Sofia Cerqueira e Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 13h56 - Publicado em 10 jul 2013, 17h17

Nos últimos meses, as notícias vêm destacando de forma reiterada o esfacelamento do grupo de Eike Batista. A uma informação ruim sucede a outra pior. São ações outrora valiosas que viraram pó, empresas passadas adiante, projetos engavetados ? quando não suspensos ?, pedidos de socorro ao sistema financeiro e demissões. Um pesadelo inimaginável para quem chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo e desejava atingir o topo do ranking no comando de um império atuan­te nas áreas de logística, energia, mineração e entretenimento. Sua fortuna, já calculada em mais de 30 bilhões de dólares, chegou a minguar para um décimo desse montante, segundo estimativa da agência americana Bloomberg. Na última semana, o petardo da vez foi o anúncio do fechamento de três poços de petróleo na Bacia de Campos, o que levou a OGX, a nave-mãe do conglomerado, a ser rebaixada pelas agências de classificação ao grau de alto risco de calote. Todas essas dificuldades financeiras respingam diretamente na cidade onde o empreendedor mineiro decidiu se radicar. Ou, mais precisamente, podem causar uma enxurrada que arrastará uma série de iniciativas que ele apoiou ou espalhou pelo Rio de Janeiro. Pressionado a cortar gastos e reorganizar o livro-caixa, o bilionário já largou mão de alguns de seus projetos por aqui. Secaram, por exemplo, os aportes para a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas. Na última semana, o magnata desistiu de revitalizar a Marina da Glória, proposta que era um de seus xodós. Não são fatos isolados. Em meio à crise, uma série de incertezas paira sobre outros projetos nos ramos imobiliário, esportivo, comercial e de diversões.

Arrojado, numa avaliação favorável, ou megalômano, em análise mais crítica, Eike sempre exibiu talento para embalar grandes ideias. Graças a esse dom, conseguiu cooptar para seus negócios uma legião de investidores e sócios qualificados. O problema é que, se por um lado ele tem facilidade para vender sonhos, por outro está encontrando uma dificuldade enorme em entregá-los, por falhas na execução ou na operação. Vide o caso do Hotel Glória, um cartão-postal carioca que acolheu diversas personalidades da política e do mundo artístico desde a inauguração, em 1922. Quando comprou o decadente imóvel, em 2008, ele tinha a ambição de transformá-lo em um dos dez complexos hoteleiros mais imponentes do planeta. Gastou 80 milhões de reais na aquisição do prédio, pegou um financiamento de 146 milhões de reais no BNDES e prometeu entregá-lo reluzente em 2011. Em um de seus arroubos, chegou a cogitar a instalação de uma filial do Nobu, famoso restaurante japonês de Nova York. Nestes cinco anos, trocou arquitetos e alterou cronogramas, mas a obra está longe de ser concluída. Diante do aperto, decidiu passar o ponto. Analistas de mercado são céticos quanto à viabilidade da transação, já que ele dificilmente encontrará alguém disposto a pagar o valor do investimento. Sem alternativa, o grupo trabalha com a opção de se associar a uma bandeira hoteleira e adaptar o projeto, abrindo mão da pompa imaginada. “É uma pena para a cidade ver um marco da hotelaria fechado, com a obra arrastando-se”, lamenta Alfredo Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio (Abih-RJ). Nesse mesmo ramo, um dos primeiros anúncios feitos pela REX, tentáculo imobiliário do grupo de Eike, foi o projeto de transformar o parque Terra Encantada, na Barra, em um bairro planejado. Menos de um ano depois, ele nem sequer exerceu a opção de compra do terreno, deixando um impasse sobre o futuro da região.

Heterodoxo na aplicação de recursos, Eike despejou dinheiro em setores variados da cidade. Apostou alto no mercado de entretenimento com a criação da IMX, que em pouco tempo se tornou parceira de marcas como o Rock in Rio e o Ultimate Fighting Championship (UFC). Apesar do incontestável êxito dos dois eventos, há rumores de que a companhia estaria à venda por 500 milhões de reais. O grupo apenas admite que busca sócios no mercado financeiro. O fato é que há muita apreensão em torno do futuro de algumas dessas parcerias. Fontes do setor garantem que a primeira temporada do Cirque du Soleil organizada pela IMX, programada para o ano que vem, está cancelada. A empresa nega. Especula-se ainda que Eike poderia passar adiante seus 50% no Rock in Rio. “Não tivemos nenhuma alteração na rotina de trabalho nem nas relações profissionais com a IMX”, afirma a empresária Roberta Medina, organizadora do festival.

Com habilidade para abrir portas de importantes gabinetes, Eike aproximou-se de governantes e arvorou para si suprir o vácuo de poder em determinadas esferas. Dessa forma, quem lucrou foi a cidade. A viabilidade da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) deve-se em parte a suas benesses. Ele chegou a destacar quatro funcionários da EBX para a função específica de organizar a compra de equipamentos para o programa. Nos primórdios das UPPs, bancou a aquisição de sessenta motos e quarenta carros com tração nas quatro rodas, ferramentas fundamentais para a atuação da polícia em morros íngremes. Agora, o receio é que o esfacelamento da EBX afete o acordo que previa o repasse anual de 20 milhões de reais em equipamentos até 2014. A Secretaria de Segurança informa que até agora não houve nenhum comunicado de suspensão da verba e que, caso isso ocorra, realocará recursos para manter a expansão do programa.

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Os sucessivos golpes na saúde financeira da holding EBX trouxeram um clima pesado às dependências do Edifício Serrador, na Cinelândia, que concentra boa parte das empresas do grupo. Pelos corredores, o vaivém frenético de funcionários até pouco tempo atrás arrefeceu completamente. Em geral esperada com ansiedade, a sexta-feira lá é motivo de apreensão. Trata-se do dia em que são feitos os comunicados de demissão. A diretoria de sustentabilidade foi extinta, num corte de mais de cinquenta cargos, e a MPX, da área de energia, foi parcialmente vendida. Para fugir da atmosfera de derrota, os novos executivos optaram pela transferência dessa companhia para outro endereço. Com o êxodo, já há vários andares subaproveitados no prédio, que está alugado por cerca de 2 milhões de reais mensais. As recepcionistas, que antes ocupavam todos os pavimentos, agora se limitam à antessala dos diretores. O carrinho que circulava com lanches pelos departamentos também foi extinto. De sua sala panorâmica, no 23º andar, Eike podia vislumbrar um dos projetos que chamava de MPI (matar paulista de inveja), o iate Pink Fleet. Fruto de um investimento de 35 milhões de reais e adaptado para fazer cruzeiros diurnos pela Baía de Guanabara, o barco, no entanto, não vingou. Depois de seis anos de prejuízo, foi oferecido sem ônus à Marinha, que estuda a proposta.

O império de Eike começou a ser abalado em junho de 2012, quando a OGX divulgou que sua extração de óleo na Bacia de Campos ficaria bem aquém do previsto. No mesmo dia, as ações da empresa despencaram e, de lá para cá, acumulam perda de 96%. A partir desse episódio, o conglomerado tornou-se vítima de um efeito dominó, cuja segunda peça a cair foi a OSX, fabricante de estaleiros e o maior fornecedor de embarcações e plataformas para a OGX. O baque já resultou em mais de 300 demissões na companhia e afetou diretamente o desenvolvimento do Porto do Açu, em São João da Barra, outro megaprojeto germinado na cabeça de Eike, orçado em 40 bilhões de dólares. Atolado em dívidas, ele evoca a máxima de entregar os anéis para salvar os dedos. Procurou ajuda no banco BTG Pactual, um dos seus principais credores, para atuar como conselheiro estratégico e financeiro. Na prática, é uma sinalização para o mercado de uma administração mais responsável de agora em diante. Resta saber se ainda há tempo para a recuperação.

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Ao longo da história da cidade, conta-se nos dedos a quantidade de abonados que abriram o cofre para se engajar em ações de cunho social em prol da coletividade. Nos Estados Unidos, ao contrário, os grandes bilionários regem-se pelo princípio de retribuir à sociedade o que ela lhes proporcionou. Exemplos não faltam no presente ou no passado, como é o caso dos industriais Andrew Carnegie (1835-1919) e John D. Rockefeller (1839-1937), fundadores de instituições de ensino que são referência até hoje. Mais recentemente, o megainvestidor Warren Buf­fett e o empresário Bill Gates doaram a maior parte de sua fortuna a projetos educacionais. De acordo com o ranking da revista americana Forbes, há sete bilionários no Rio. Nenhum deles, porém, chegou perto de mostrar tanto empenho em abrir a carteira quanto Eike Batista. “No Brasil há uma carência de empresários filantropos que sirvam como exemplo e impulsionem doações”, afirma Andre Degenszajn, secretário-geral do Gife, entidade agregadora de institutos que financiam obras sociais.

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Mais que uma lição de generosidade ou desapego ao dinheiro, a filantropia beneficia as duas pontas envolvidas: receptor e doador. O magnata que a pratica ganha um lustre em sua imagem, mas não só. Há os bônus colaterais, como ilustra bem o processo de retomada das favelas cariocas. Além de renovar as esperanças de cerca de 1,5 milhão de moradores dessas re­giões, o programa das UPPs resultou numa melhora nos índices de violência no Rio, o que, consequentemente, favoreceu o ambiente de negócios. A questão agora é que ninguém sabe ao certo onde é o fundo do poço de Eike. Por enquanto, o carioca está na expectativa e receia ficar no prejuízo. Afinal, a caixa-forte do empresário abasteceu a vitoriosa campanha do Rio à Olimpíada de 2016 e foi decisiva para pôr de pé o Hospital Pro Criança, que será aberto em Botafogo. Só nessas causas foram injetados mais de 50 milhões de reais. Procurado por VEJA RIO, Eike preferiu não se pronunciar. A época atual recomenda contenção, até de declarações.

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