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Chicotadas na reta final

Intrigas de cocheira, palavrões nas paredes dos banheiros, dossiês e textos anônimos com acusações pesadas fazem parte da guerra pelo poder no Jockey

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 jun 2017, 14h36 - Publicado em 28 mar 2012, 18h40
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O filme antigo, em preto e branco, não muito conhecido e de autoria incerta, dura pouco mais de dez minutos. Começa com uma antiquada legenda que se refere à abertura da nova sede do Jockey Club Brasileiro como o ?mais brilhante episódio da vida esportiva do país?, em que a palavra ?esportiva? é grafada sem o ?e? inicial e ?país? ainda se escrevia com ?z? e sem acento. Rodado na tarde de 11 de julho de 1926, o breve documentário mostra as tribunas do novo hipódromo abarrotadas por 30?000 pessoas vestidas com roupas de festa. A chegada do então presidente da República, Artur Bernardes, causou especial alvoroço. Assim como as velhas imagens esmaecidas da festa de inauguração, os dias de glória do complexo hípico da Gávea se perderam no passado. O exemplo mais recente do ponto a que ele chegou é a atual disputa presidencial do clube. Há poucas semanas, um dos banheiros amanheceu pichado com palavrões dirigidos ao presidente e candidato à reeleição, o empresário Luís Eduardo da Costa Carvalho, de 65 anos. Sofás do opulento prédio surgiram com o revestimento rasgado e com mensagens carregadas de ofensas impublicáveis enfiadas entre o estofamento. Nem mesmo o vistoso Porsche Boxter vermelho de Carvalho foi poupado da fúria eleitoral: recentemente, teve a pintura riscada, de ponta a ponta, em pleno estacionamento do clube. ?Não tenho dúvidas de que foi alguém ligado à oposição?, acusa ele.

Faltando pouco mais de um mês para o páreo que vai decidir quem será o novo mandatário de uma das mais emblemáticas instituições da alta sociedade carioca, o clima é de coices e chicotadas entre os dois lados. Não é exagero afirmar que, apesar de todas as intrigas que tradicionalmente circundam as disputas eleitorais no Jockey, nenhuma outra foi tão pesada. Aliados do candidato opositor, o engenheiro Carlos Palermo, presidente da Sociedade Hípica Brasileira, espalham documentos, soltam textos anônimos, ressuscitam antigos dossiês e perseguem os sócios que, por conversarem com o atual gestor, dão a impressão de simpatia por sua candidatura. ?Ele não passa de um anão de jardim que não entende nada de turfe. Não posso nem vê-lo na minha frente, acho insuportável olhar na cara dele?, ataca, sem estribeiras, o empresário Luiz Fernando Dannemann, um dos principais apoiadores de Palermo. Inimigo declarado de Carvalho, ele admite ter desembolsado quase 1 milhão de reais em anúncios apenas para desancar a atual administração do clube. Do outro lado, o aspirante à reeleição cumpre agenda de candidato, promovendo jantares de confraternização e consultando-se com especialistas em campanhas políticas. Diz ele: ?O cargo não me paga um centavo e traz chateações de toda sorte. O mais razoável seria largar tudo e ir embora. Mas agora não vou entregar as conquistas que fizemos a um grupo que me combateu raivosamente desde o início?.

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O que diferencia esta eleição das anteriores – e contribui decisivamente para aumentar a sua temperatura ? é um novo alinhamento de forças dentro do quadro societário do clube. Dono de uma bem-sucedida carreira no mercado financeiro, Carvalho nunca alimentou, de fato, interesse por cavalos. Embora tenha adquirido alguns animais recentemente e se tornado, por pura sorte, um dos líderes do ranking nacional de proprietários, ele representa um grupo formado por pessoas sem nenhuma relação com o turfe. São advogados, engenheiros, dentistas, gente que aplaude as melhorias realizadas na sede da Gávea, a exemplo do conjunto de piscinas, academia, teatro e restaurantes, e faz bom uso delas. Na outra curva, posicionam-se alguns dos sobrenomes mais famosos da cidade, donos de uma antiga ligação com o esporte e sua história. Velhos adversários, como o armador José Carlos Fragoso Pires e o advogado Luiz Alfredo Taunay, ambos ex-presidentes, juntaram forças para combater o atual mandatário. Além deles, os clãs Burlamaqui, Índio da Costa, Lampreia e Paula Machado também defendem as cores do desafiante. Seria uma luta desigual, caso a tradição fosse determinante para o resultado da corrida. Mas, a despeito de toda a sua visibilidade, a turma das corridas representa hoje menos de 10% dos 5?746 associados.

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Instalado em um belo conjunto tombado de 630?000 metros quadrados, onde sobressaem construções em estilo Luís XV, o Jockey Club está localizado em um dos pontos mais valorizados do Rio de Janeiro e é capaz de acomodar dentro de seus limites um bairro inteiro, como o Catete. Seus salões e escadarias são enfeitados com mármore e lustres de cristal, uma imponência semelhante à do prédio do clube no Centro, com treze andares e localização privilegiada, de frente para o Fórum. Basta uma observação mais criteriosa, porém, para perceber que a suntuosidade das dependências é uma mera lembrança do passado glorioso. O clube vive uma crise crônica, acumulando dívidas com a prefeitura e o governo federal estimadas em 900 milhões de reais. Sua atividade original, o turfe, é incapaz de gerar os recursos necessários a sua manutenção. A verdade dolorida é que os fiéis apostadores de outrora morreram ou envelheceram. Diferentes formas de jogo surgiram, as opções de lazer se diversificaram e, pouco a pouco, as novas gerações se afastaram das corridas de cavalos. Em dias de páreo, muitas vezes as arquibancadas ficam completamente vazias. ?O turfe provoca uma hemorragia anual de 32 milhões de reais nas nossas contas?, diz o atual presidente. ?Não dá para ignorar essa realidade.?

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O mandato de Carvalho foi dedicado a reverter essa situação. Usando a lógica do mercado financeiro, ele avançou como um trator sobre um terreno para lá de movediço. Primeiro, o quadro de funcionários foi reduzido em 20%. Mesmo profissionais antigos, como o lendário narrador Ernani Pires Ferreira, que morreu na semana passada aos 77 anos, acabaram sendo demitidos. A garagem da sede no Centro, um privilégio para os sócios que trabalham na região, teve seu preço aumentado. Uma bonificação antiga, que pagava um salário extra a todos os funcionários no dia de seu aniversário, foi substituída por um sistema basea­do em desempenho. As porteiras da Gávea foram abertas para shows, feiras, desfiles de moda e bailes de Carnaval. Em paralelo, Carvalho tentou (sem sucesso) construir prédios comerciais na área do hipódromo. Também multiplicou por dez o valor da taxa de transferência de títulos a ser paga ao clube, de 6?000 para 60?000 reais. Foi o suficiente para angariar uma legião de inimigos, o que lhe rendeu oito processos na Justiça nos últimos dois anos – entre eles o que pedia seu impeachment. O site Raia Leve, mantido pelo estridente Dannemann e alimentado diariamente por outros membros da oposição, chegou a afirmar que o presidente ?tem pacto com o demônio?. ?Exageros à parte, seu pior defeito é administrar o clube como se fosse sua empresa, sem ouvir ninguém e fazendo o que bem entende?, ataca Palermo, 63 anos. ?O Jockey precisa de pessoas que tenham conhecimento sobre cavalos no comando das corridas.?

Transformar uma atividade decadente em fonte de renda é uma tarefa bastante complicada. Mas reverter a situação econômica do Jockey Club Brasileiro está longe de ser um desafio impossível. Alguns avanços foram realizados pela atual gestão. Os balancetes apontam 12 milhões de reais em caixa, contra os 5 milhões de 2008. Com a implantação de meios eletrônicos, as apostas subiram 19% nos últimos dois anos e o valor das premiações cresceu 27,5%. Finalmente liberado pela prefeitura, o projeto de revitalização da sede social na Lagoa deve receber 8 milhões de reais nos próximos meses. Outra boa notícia que chegou à Gávea recentemente foi a aprovação de uma redução nos impostos sobre os ganhos dos clubes com as corridas, a partir de uma revisão na lei federal proposta pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Antes, para cada real recebido, o Jockey pagava 15 centavos de tributo. Agora, desembolsará apenas 10% disso. A questão que se coloca não é muito diferente daquela vivida por indústrias e empresas que viram seu negócio ficar obsoleto de uma hora para a outra. Aquelas que conseguiram se adaptar aos novos tempos sobreviveram. Quem insistiu no erro caiu do cavalo. ?Meu avô deve estar se revirando no túmulo com o que está acontecendo nessa campanha. Não se pode perder a razão?, diz Lineu de Paula Machado, 55 anos, neto do fundador do Jockey e uma das poucas vozes equilibradas nessa eleição.

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