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Os bilhões do Leblon

Um enclave em torno da Avenida Ataulfo de Paiva concentra empresas de investimentos que administram fortunas e movimentam altas somas todos os dias. Nessa Wall Street praiana, a turma trabalha misturando o culto à competição e ao dinheiro com o estilo de vida carioca

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h44 - Publicado em 9 dez 2011, 20h03

Os paparazzi que costumam caçar famosos pela Rua Dias Ferreira simplesmente ignoram os senhores de calças cáqui e camisas em tons de azul que ocupam as mesas do Quadrucci ou do Zuka. Sem nenhum apelo que chame a atenção das revistas de celebridades, eles não têm a menor chance de competir com uma modelo recém-alçada à categoria de estrela ou um casal de atores que engate um namorico público. Escanteados em meio ao frisson causado pelas estrelas da TV, eles falam de dinheiro, muito dinheiro. Sim, porque nem só de novelas de Manoel Carlos vive o Leblon. À sombra do Morro Dois Irmãos se concentram as principais gestoras de recursos do Rio: quinze empresas que, juntas, acumulam sob sua responsabilidade quase 70 bilhões de reais em patrimônio. Incógnitos, os personagens discretos esnobados pelos fotógrafos administram e multiplicam as fortunas de ricaços cariocas, paulistas e até estrangeiros, a partir da compra e venda de ações nas principais bolsas de valores do mundo. Trata-se de uma pequena legião que inclui desde personalidades da administração pública, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, a jovens ambiciosos dispostos a atingir o primeiro milhão de reais antes dos 30 anos de idade. E é um grupo que não para de crescer, a ponto de o ex-todo-poderoso presidente da Vale Roger Agnelli cogitar em se instalar no bairro com seu novo negócio, um fundo de investimentos.

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Como todo dono de fortuna sabe, dinheiro atrai dinheiro ? e o florescimento do polo financeiro do Leblon não escapa à regra. A vizinhança delimitada pelas avenidas Visconde de Albuquerque e Delfim Moreira, pela Rua Mário Ribeiro e pelo Jardim de Alah reúne uma das maiores rendas per capita da cidade e a principal concentração de milionários. Nada mais natural estabelecer por ali um negócio ao qual os principais clientes possam ir a pé, antes, durante ou depois do trabalho. Outro vetor importante foi o desejo pessoal de alguns dos mais destacados ícones do mercado financeiro brasileiro. Depois de desenvolverem carreiras bem-sucedidas em São Paulo, Nova York ou no governo federal (caso de Armínio Fraga, da Gávea Investimentos, e de Eleazar de Carvalho Filho, um dos donos da STK Capital e ex-presidente do BNDES), alguns deles resolveram trabalhar perto de casa, elegendo a região como sede de suas gestoras de recursos. A chegada desses nomes consagrados foi o impulso que faltava para o bairro suplantar de vez o Centro como reduto de bancos e corretoras. ?Aqui posso reunir conforto e funcionalidade. Mas, se meus clientes morassem em Duque de Caxias, abriria minha empresa por lá sem pensar duas vezes?, diz José Alberto Tovar, da BNY Mellon ARX.

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O entorno glamouroso e a praia a poucos metros do escritório levam a crer que o pessoal do mercado (é assim que eles se referem a si mesmos) tem vida mansa. Apesar das maledicências ouvidas entre os colegas paulistas, trabalha-se muito na Wall Street praiana. ?O normal é que as pessoas entrem às 8 da manhã e saiam depois das 8 da noite?, afirma Wallim Vasconcellos, sócio da STK Capital. Em razão do fuso horário e dos investimentos nas bolsas da Ásia, algumas gestoras ficam com as luzes e os computadores ligados 24 horas por dia, como em qualquer empresa do ramo em Londres, Tóquio ou Nova York. A única que destoa um pouco, ainda que só no vestuário, é a Polo Capital, na esquina das ruas Ataulfo de Paiva e Afrânio de Melo Franco. Lá, é comum cruzar com empregados, ou mesmo com os donos Cláudio Andrade e Marcos Duarte, trabalhando de bermuda e camiseta nos dias quentes, ou de conjunto de moletom nos dias mais frios. Há também uma ducha para os que gostam de pegar uma praia pela manhã ou na hora do almoço ? mas ninguém usa. ?Não cai bem dar um mergulho durante a semana?, explica um analista. ?Mesmo que seja para praticar esporte, sempre fica a imagem de vagabundo.?

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Paixão pelo risco, sangue-frio e exacerbado espírito competitivo. Essas são as características básicas para um profissional que queira se aventurar pelo mundo das finanças. Para os que se adaptam ao perfil e sobrevivem às duras exigências da carreira, a recompensa costuma ser polpuda. Um analista recém-saído da universidade recebe em média de 60?000 a 70?000 reais anuais. O salário fixo fica entre 3?500 e 4?000 reais e o restante vem na forma de bônus por produtividade ? o que dá cerca de 20?000 reais por ano. A partir daí, a remuneração varia muito de empresa para empresa, seja pelo tamanho da gestora (o patrimônio sob sua administração tem relação direta no vencimento dos funcionários), seja por política salarial, e o patamar muda por completo. Em média, um analista sênior embolsa entre 500?000 e 1,5 milhão de reais por ano.

Uma vez que o funcionário atinja a condição de sócio, não há limites para os ganhos. Em momentos de alta do mercado, é possível receber até 10 milhões de reais em doze meses. Hoje, isso acontece em empresas com dez ou mais anos de mercado (Dynamo, Gávea, BNY Mellon ARX), que já têm um histórico consistente de rentabilidade e a confiança dos investidores. Normalmente, as gestoras cobram dos clientes entre 2% e 3,5% do valor investido ao ano, a título de taxa de administração, o que garante receitas que variam de 1 milhão a 600 milhões por ano. A competição entre elas costuma ser acirradíssima. ?Nós vivemos de números. Por mais confiança que o cliente tenha em você e em suas ideias, ele vai correr para o concorrente se ele apresentar uma performance melhor que a sua?, diz Laura Tostes, da Leblon Investimentos.

O pessoal do mercado costuma cultivar valores pessoais e profissionais bastante peculiares. Uma característica marcante é que boa parte deles segue um perfil de comportamento-padrão, seja no trabalho, seja no lazer (veja o quadro ao lado). Tal fenômeno remonta aos anos 90 e está ligado ao maior fenômeno do mercado financeiro carioca, o Banco Garantia. Fundada por Jorge Paulo Lemann, atualmente controlador da ABInbev (a segunda maior cervejaria do mundo) e um dos homens mais ricos do planeta, a instituição criou uma cultura conhecida pelo feroz espírito competitivo, pela agressividade nos negócios, pela forma despojada de se vestir e por um certo pendor à ostentação de riqueza. Há cerca de vinte anos, quando carros importados ainda eram raridade no país, seus funcionários podiam ser facilmente reconhecidos nas ruas pelas máquinas alemãs, italianas ou inglesas que pilotavam. Outros comemoravam a chegada dos primeiros milhões com a compra de mansões nas ilhas de Angra dos Reis. Boa parte dos donos das gestoras que hoje vicejam no Leblon veio do Garantia e cultiva diligentemente os mesmos valores, à exceção do exibicionismo. Eles evitam entrevistas e eventos públicos. Ainda assim, mesmo com todo o comedimento que hoje domina o setor, deixam escapar aqui e ali hábitos um tanto extravagantes.

O ex-banqueiro Gilberto Sayão, dono da gestora Vinci, por exemplo, revela-se pródigo quando o assunto é lazer. São famosas as mesas de pôquer que organiza com seus colaboradores mais próximos. O cacife inicial é de 10?000 reais. Apaixonado por armas, ele não perde a oportunidade de dar uns tiros ? com toda a responsabilidade inerente ao esporte, é claro. Recentemente, esticou uma viagem de negócios a Nova York com um grupo de executivos até a cidadezinha de Walden, a 120 quilômetros de distância. Tudo para se divertir com uns disparos de fuzil AR-15 em um clube de caça. Os jovens financistas, por sua vez, dedicam-se a arriscados pegas com seus Mercedes-Benz, BMWs e Audis pela Rio-Santos. Nesses episódios, quem leva mais de uma hora no trajeto até Angra é alvo de chacota. ?De que adianta comprar um carrão se não puder acelerar??, pergunta um analista de 27 anos. Hoje o grande barato entre os funcionários mais graduados é comprar uma casa de veraneio em Miami. ?A gente acaba indo até lá para ver os imóveis que nossos clientes querem comprar e avaliar se é um bom negócio, mas o preço está tão bom que compramos para nós também?, conta uma gestora que pede para não ser identificada por motivos de segurança. ?Os preços não chegam à metade do que é pago por aqui. São mansões da década de 20 com dez suítes, sauna e piscina praticamente dentro da praia por 3 milhões de dólares.?

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O pioneirismo de se alojar no Leblon foi da corretora de valores Ágora, criada em uma casa de três andares no coração do bairro, na Rua Professor Arthur Ramos. Em 1995, ano da mudança, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro ainda se encontrava em funcionamento, no Centro, e as telecomunicações, nas mãos das estatais Telerj e Embratel, estavam longe de suprir as necessidades de empresas e contribuintes. ?Todo mundo perguntava se éramos loucos, se estávamos cansados de ganhar dinheiro. Tivemos de fechar a rua durante uma semana só para instalar a infraestrutura de telefonia e internet, que ainda era uma novidade?, recorda Guilherme Horn, ex-sócio da corretora e dono da Órama, uma distribuidora de fundos que hoje ocupa o imóvel. Em 1999, foi a vez de a Dynamo abrir em um prédio na Ataulfo de Paiva. Quatro anos depois, o mesmo edifício receberia o quartel-general da Gávea Investimentos, de Fraga, a mais badalada das gestoras. ?Pode parecer estranho termos sede no Leblon e o nome do bairro vizinho. Mas é uma homenagem à PUC, onde Armínio estudou e lecionou, e ao Gávea Golf Club, onde dá suas tacadas?, revela Rodrigo Fiães, um dos sócios. Hoje, a vocação da região para movimentar bilhões está de tal forma entranhada que grandes bancos como o Itaú, o Bradesco e o Safra a escolheram para abrigar suas divisões de administração de grandes fortunas.

O bom momento econômico do país, em contraste com a péssima fase vivida pelas grandes potências europeias e pelos Estados Unidos, aponta para um crescimento robusto do mercado financeiro no Rio. Os bancos americanos em busca de praças mais pujantes já desembarcaram por aqui. Em 2008, o BNY Mellon comprou a carioca ARX, dando origem à maior gestora da vizinhança, dona de uma carteira de investimentos de 33 bilhões de reais. Dois anos depois foi a vez de o J.P. Morgan comprar a Gávea. Em ambos os casos, o negócio vem sendo tocado pelos fundadores brasileiros. Recentemente, uma empresa dos Estados Unidos divulgou planos de abrir uma nova bolsa de valores no Rio. Se a ideia vai vingar, é uma incógnita, mas um dado parece inexorável: tem de ser no Leblon. Afinal, ali fica a nossa Wall Street.

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