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Celular vira compulsão com efeitos danosos à saúde e às relações

Cada vez mais integrado à rotina de adultos e crianças, o aparelho se transformou em uma obsessão que pode comprometer o bem-estar físico e mental

Por Carolina Barbosa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 abr 2017, 10h00 - Publicado em 21 abr 2017, 10h00
CAROL SAMPAIO, 34 anos, promoter: “Acho que nunca larguei o celular em casa. Já esqueci a bolsa, saí sem 1 real no bolso, mas com o aparelho na mão. Sempre brinco que minha missão de vida é zerar o WhatsApp diariamente. Há dias em que não consigo. E olha que eu ainda durmo com os dois aparelhos nas mesinhas ao lado da cama para ouvi-los vibrar” (Léo Aversa/Veja Rio)

A bronca veio de Roma, mais especificamente do altar principal da igreja de Santa Maddalena di Canossa. Começou como uma pequena parábola, bem ao gosto dos religiosos. “Fechem os olhos e imaginem a cena: à mesa, mamãe, papai e seus filhos. Cada um com o próprio celular, falando. Todos falam, mas externamente. Entre si, não se conversam. Todos se comunicam, não é mesmo? Sim, pelo celular, mas não dialogam.” Depois, prosseguiu mais enfático: “Temos de chegar ao diálogo concreto, porque isso que se faz com o celular é virtual, é líquido”. As palavras, proferidas pelo papa Francisco há pouco mais de um mês, tocam em um ponto nevrálgico da vida moderna decorrente da popularização dos celulares e smartphones. Obcecadas em navegar pelas redes sociais, entretidas com jogos ou aplicativos e atarefadas em responder a uma cascata interminável de mensagens, as pessoas dedicam horas preciosas de seu dia à tela do celular, a ponto de ignorar interlocutores e as situações que as cercam. Bastante conhecido dos psicólogos e terapeutas, o fenômeno que irritou o papa já tem até nome. Trata-se do phubbing, uma expressão inventada na Austrália que caracteriza a atenção excessiva ao aparelho. “Tal comportamento é o gatilho para uma série de problemas. Os primeiros a aparecer são os de relacionamento”, explica a psicóloga Elizabeth Carneiro, da clínica Espaço Clif, em Botafogo.

(Reprodução/Veja Rio)

Um olhar atento dificilmente deixa de notar em bares, restaurantes ou mesmo reuniões de trabalho a quantidade de gente abstraída do ambiente com os olhos fixos na tela e os polegares ocupados em uma digitação que parece infinita. Parte da explicação é a enorme popularidade de redes como o Facebook. Nada menos que 120 milhões de brasileiros acessam a rede social a partir do celular várias vezes por dia. Outra é o impulso compulsivo com que as pessoas seguem trabalhando fora do expediente — checam se aquele e-mail do cliente ou do chefe já chegou e, caso isso aconteça, imediatamente tamborilam uma resposta, mesmo nos casos que nem exigem tanta urgência assim. “Às vezes me pego pensando que queria matar quem inventou o WhatsApp”, brinca a promoter Carol Sampaio. Dona de três aparelhos, mais um reserva, ela não se desconecta nunca. Em média, recebe cerca de vinte ligações ou mensagens por hora, não raro simultaneamente. No Carnaval, quando organizou o Camarote N1, o Bloco da Favorita e várias festas, chegou a testar no banheiro de casa uma das grandes inovações do iPhone 7: a capacidade de resistir à água. “Estava atrasada e aproveitei para responder de dentro do boxe mesmo umas mensagens, entre a aplicação do xampu e a do condicionador”, confessa a promoter, que já se levantou no meio de uma sessão de cinema para checar seu WhatsApp no toalete.

(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

O uso compulsivo do celular acarreta problemas que podem pôr o bem-estar físico e mental em xeque, um fenômeno que não tem passado despercebido pelos especialistas. “Nos últimos anos, a tecnologia de mobilidade tornou-se tão atraente que ficamos deslumbrados e começamos a utilizá-la sem limites, sem consciência, ignorando seus efeitos para a saúde a longo e médio prazos”, explica Anna Lucia King, fundadora do Instituto Delete e doutora em saúde mental. No centro de pesquisa, instalado no câmpus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha, ela avalia, ao lado do especialista em mídias digitais Eduardo Guedes, o impacto dessa mudança de comportamento e estratégias para o emprego consciente de tecnologias. Ali, eles já realizaram mais de 500 atendimentos gratuitos para identificar problemas mais graves, como o vício em comunicação digital, a exemplo do que ocorre com o jogo, a bebida ou o sexo. “A dependência não está ligada necessariamente ao tempo de conexão, mas a quanto o virtual atrapalha o real”, explica Guedes, um dos autores do primeiro livro brasileiro especializado no assunto. Embora não haja uma relação causa­-efeito fácil de ser estabelecida, alguns transtornos psiquiátricos, co­mo ansiedade e depressão, podem estar associados à conexão excessiva pelo celular, assim como fadiga, desvios na coluna, hérnia de disco, tendinite nas mãos e alteração no padrão de sono. Esse último funcionou como um alerta para a professora Márcia Yassuda, 47 anos, mãe de Bernardo, 10. “Ele andava muito agitado antes de dormir, e percebi que brincar continuamente com joguinhos no celular era um dos motivos”, conta ela, que apertou a marcação no uso indistinto do aparelho e só liberou a brincadeira nos fins de semana. E isso se toda a lição de casa fosse feita previamente. “Já que não adianta proibir, tenho de ser firme e controlar, porque, se deixar, ele vira a noite com o celular na mão”, diz. Fora os malefícios pessoais, a utilização inadequada do smartphone pode pôr em perigo a vida de outras pessoas. Nas estradas nacionais, o dispositivo já é o quarto fator de risco para acidentes.

(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

As ciências neurobiológicas explicam por que passamos tanto tempo à frente do celular — e gostamos cada vez mais disso. O aparelho ajuda a deflagrar estímulos que ativam justamente os circuitos cerebrais responsáveis pelo mecanismo de recompensa no sistema nervoso central. É uma situação parecida com a que acontece quando se fuma, consome álcool ou algumas drogas, por exemplo. “Existem evidências científicas bem importantes sobre os efeitos prazerosos de acessar mensagens no WhatsApp e ver curtidas no Facebook”, explica a psiquiatra Analice Gigliotti. “Enquanto nas conversas normais uma pessoa usa em torno de 30% do tempo para falar de si, nas redes sociais esse índice sobe para 90%, e com possibilidade de feedback instantâneo”, justifica o especialista Eduardo Guedes, do Delete. Não à toa, o pânico de se ver sem celular já se tornou um fenômeno da vida moderna. Batizada de nomofobia (de no mobile phone phobia), tal dependência tem sido alvo de uma série de estudos. Um deles, intitulado The World Unplugged Project e conduzido pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, propôs a cerca de 1 000 estudantes que se abstivessem de utilizar seus aparelhos por um dia inteiro. No final, eles deveriam relatar a experiência. O impacto foi tão grande que um em cada três participantes admitiu que preferia abrir mão do sexo a deixar de usar o smartphone.

(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
(Instituto Delete/Divulgação)

Estimativas de mercado preveem que até 2018 o Brasil tenha aproximadamente 416 milhões de dispositivos conectados à internet, o que significa dois aparelhos por pessoa. Tal cenário sugere que a conexão cada vez mais veloz, de alta qualidade e maior capacidade de dados é uma situação irreversível. Entretanto, há um longo aprendizado pela frente. “Sempre postei muita coisa on-line, mas percebi que a maneira como usava as redes sociais podia prejudicar minha imagem profissional. Passei a ser mais cuidadosa em minha relação com esse universo digital”, diz a dermatologista Katleen Conceição, com quase 100 000 seguidores no Instagram e pacientes como Taís Araújo, Lázaro Ramos, Preta Gil e Cris Vianna. Não é fácil reconhecer os limites de utilização dos celulares, mas o bom-senso já ajuda bastante a tornar essa tarefa menos árdua.

(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
(Instituto Delete /Divulgação)
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