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Aventuras de um mecenas

Amigo de Pelé, Ayrton Senna e Gustavo Kuerten, o ex-banqueiro Antonio Carlos de Almeida Braga não coleciona vinhos nem obras de arte. Seu único capricho é patrocinar talentos do esporte

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h05 - Publicado em 10 abr 2013, 17h57

Em meio à arena lotada do complexo Crandon Park, em Miami, um senhor de 86 anos acompanhava atentamente um dos principais torneios de tênis dos Estados Unidos, o Masters 1000, encerrado na última semana. Vestido com camisa polo, calça esporte, mocassins sem meias e relógio de borracha no pulso, ele poderia se passar por mais um aposentado americano divertindo-se com as raquetadas do britânico Andy Murray e do espanhol David Ferrer. Mas o ex-banqueiro Antonio Carlos de Almeida Braga tem pouquíssimo em comum com os outros vovôs que assistiam à partida despretensiosamente. Lenda viva do esporte brasileiro, Braguinha, como é conhecido, segue religiosamente o calendário das grandes competições do planeta, independentemente da modalidade em disputa. Desde 1950, por exemplo, não perde uma única partida da seleção brasileira em Copa do Mundo. Também compareceu a todos os Jogos Olímpicos nos últimos quarenta anos. Tamanha paixão não se resume à torcida. Com incansável disposição para patrocinar e apoiar financeiramente os grandes talentos, ele se tornou o principal mecenas de alguns dos mais destacados atletas nacionais ? e, na maioria dos casos, também amigo pessoal. Goza da intimidade de Pelé, fala sempre com Emerson Fittipaldi, tem a eterna gratidão de Gustavo Kuerten e acompanhou Ayrton Senna, herói das pistas, em seus últimos sete anos de vida. “O esporte é minha fonte de juventude, de satisfação”, diz.

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Se você nunca ouviu falar do homem, não se preocupe. Embora as portas e os recintos mais exclusivos dos cinco continentes se abram para ele há quase meio século, Braguinha jamais se deslumbrou e detesta aparecer. Muito pelo contrário. Sua preferência foi sempre atuar nos bastidores. Em décadas de mecenato, cabem nos dedos das mãos as entrevistas que ele concedeu. Em sua filosofia, os holofotes são destinados aos esportistas, príncipes, homens públicos, atores e outros membros de sua coruscante roda de amigos. Seu lugar, costuma repetir, é na plateia. Antes de embarcar para Miami, porém, Braguinha abriu uma exceção no dia a dia marcado pela discrição e recebeu VEJA RIO em seu belíssimo apartamento na Praia de Ipanema. Foram cinco horas de conversa, divididas em três encontros. Neles, o mecenas falou sobre sua atuação no universo das competições e revelou detalhes da convivência com alguns dos ídolos mais importantes da história do esporte brasileiro. “Essa foi a maneira que encontrei de aproveitar ainda mais a vida”, explica ele, que parou de trabalhar aos 60 anos, depois de acumular uma fortuna estimada em pelo menos meio bilhão de reais.

Há milionários que dedicam tempo e parte de sua riqueza à aquisição de obras de arte. Outros enchem as adegas com garrafas de vinhos raros ou colecionam carros velozes. Desde seu primeiro milhão, Braguinha investe em esporte ? na forma de patrocínio, auxílio pontual ou até mesmo no socorro direto a atletas encrencados financeiramente. Ainda nos anos 60, conheceu Pelé e, em duas ocasiões, ajudou-o a driblar dívidas. Na primeira, o jogador teve problemas com um sócio e perdeu muito dinheiro num projeto de construção de casas, em São Paulo. Na outra, investiu em uma empresa de tubos e conexões que estava à beira da bancarrota. “Ele literalmente entrou pelo cano”, lembra o ex-banqueiro. O rei do futebol se diz eternamente grato pelo apoio. “Admiro demais o Braguinha. Além de ser meu amigo há mais de quatro décadas, ele me ensinou muito sobre o mundo dos negócios”, afirma o maior atleta do século XX. Emerson Fittipaldi, que em 1972 se tornou o primeiro brasileiro campeão mundial de Fórmula 1, também contou com seu auxílio providencial. Assim que estreou na modalidade, em 1970, foi procurado por Braguinha em sua casa em São Paulo. O piloto tomou um susto. Um desconhecido queria colaborar em suas despesas internacionais. Em troca, absolutamente nada. “Assim como aconteceu comigo, ele ajudou muita gente, simplesmente pela paixão”, resume Fittipaldi.

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Entre todos os esportes, as corridas de F1 foram as que lhe trouxeram maiores emoções ? boas e ruins, dentro e fora das pistas. Ayrton Senna, já uma estrela em ascensão, nunca precisou de seu apoio financeiro. Mas, com a presença constante de Braguinha nos autódromos, eles se tornaram grandes amigos. Ninguém foi tão próximo nos últimos anos de vida do tricampeão quanto o ex-banqueiro. Os dois viajavam juntos, ficavam no mesmo hotel e iam no mesmo carro para as provas. Senna comprou a casa do empresário no Condomínio Portogallo, em Angra, onde andava de jet ski nas férias, e passava temporadas na propriedade do parceiro, em Portugal. Em uma dessas ocasiões, Braguinha teve uma das experiências mais radicais da sua vida, ao acompanhar no banco do carona um passeio do piloto ao Autódromo de Estoril. “Ele dirigia pelo acostamento e dava cavalos de pau na pista”, recorda. Quando o visitava, Senna entrava com o carro em alta velocidade na quinta localizada em Sintra e dava um rodopio para deixá-lo de frente para a saída. “Às vezes, Ayrton acordava dizendo-se inspirado. Não dava outra: ganhava a corrida.” No fatídico 1º de maio de 1994, dia da morte do tricampeão em Ímola, na Itália, Braguinha também esteve ao seu lado. No saguão do Hotel Castello, a caminho da pista, os dois se encontraram com Ron Dennis, um dos donos da McLaren, escuderia que o corredor deixara naquela temporada. Dennis cumprimentou Braguinha, mas ignorou o piloto. A grosseria deixou Senna furioso. Essa é uma das últimas lembranças que o ex-banqueiro tem do amigo. Depois do acidente, abandonou os autódromos.

A lista de esportes e atletas beneficiados por Braguinha é eclética, contemplando nomes como o iatista Torben Grael, o nadador Djan Madruga, o tenista Fernando Meligeni e o piloto Maurício Gugelmin. Nem todos os seus pupilos foram bem-sucedidos. Em algumas modalidades, porém, seu apoio ajudou a fazer história. É o caso do vôlei. Em 1980, entusiasmado com o time que chegou ao quinto lugar na Olimpíada de Moscou, perguntou a Carlos Arthur Nuzman, então presidente da Confederação Brasileira de Voleibol, o que poderia ser feito para manter os jogadores no país. Sem bons salários, a tendência era que fossem jogar no exterior. Criou então, no ano seguinte, o time Atlântica Boavista, o primeiro totalmente bancado por uma empresa, introduzindo o patrocínio corporativo no Brasil. Defenderam a equipe nomes como Bernard, Bernardinho, Renan, Xandó, Badalhoca e Fernandão. Paralelamente às ações institucionais, seguiu com o mecenato por impulso. Foi assim com o tenista Gustavo Kuerten, que conheceu com 16 anos em Roland Garros, ainda na categoria juvenil. Na ocasião, a cada partida que Guga ganhava, ele o presenteava com o equivalente a 150 euros hoje. Era o suficiente para que o atleta, então sem muitos recursos, pagasse o hotel e as refeições do dia. Em 1997, quando ele se sagrou campeão do Grand Slam, disse que lhe daria um carro se vencesse uma partida e provocou um amigo, o empresário Antônio José de Almeida Carneiro, dono da João Fortes Engenharia, a comprar outro, só que para o treinador Larri Passos. Meta atingida, promessa cumprida ? Guga levou um Audi A3 e Larri, um Ford Fiesta. “Braga foi um talismã. Mais do que ajuda financeira, tinha sempre uma palavra de motivação”, conta Guga.

Amante das longas viagens, Braguinha passa apenas seis meses por ano no apartamento da Avenida Vieira Souto. Desfruta a outra metade em estadas no exterior. Já chegou a ter treze casas espalhadas pelo mundo. Agora são sete ? além do endereço carioca, tem mansão em Angra, fazenda em Mendes, no interior do estado, e bases em Nova York, em Miami, nas Bahamas e em Portugal. Em todas elas, faz questão de ter, perto ou na propriedade, uma piscina com água a 36 graus, onde dá suas braçadas, e um campo de golfe. Tal estilo de vida é resultado de uma sólida carreira no mercado financeiro. Sob seu comando, a seguradora fundada por seu pai, a Atlântica Seguros, tornou-se a maior empresa do ramo da América Latina nos anos 70. Ao vendê-la ao Bradesco, no início da década de 80, acabou se tornando um dos principais acionistas do maior banco privado do país. Em seguida, abriu a sua própria instituição financeira, a Icatu, hoje administrada por seus filhos. No auge profissional, em 1986, tomou uma decisão: iria parar de trabalhar. “Ele surpreendeu a todos, pois tinha uma visão e uma disposição incríveis, entrava de corpo e alma nos negócios”, lembra Lázaro Brandão, presidente do Conselho de Administração do banco.

Filho de um engenheiro português que enriqueceu nos setores imobiliário e de seguros, Braguinha nasceu em São Paulo e mudou-se para o Rio aos 9 anos. Depois de concluir o ensino médio no Colégio Padre Antônio Vieira, não quis mais estudar. Seu pai levou-o para a empresa, onde demonstrou aptidão nata para os negócios. Fez da Companhia Atlântica, criada em 1935, uma potência, ao comprar trinta outras seguradoras. Embora sempre achasse tempo para dar vazão à paixão pelo esporte, trabalhava muito. Era comum assistir no Maracanã a um jogo do Fluminense, seu time, no domingo à tarde, ir direto para a empresa e só sair no fim do dia seguinte. Fanático pelo Rio, não deixou a cidade nem mesmo quando trabalhou em São Paulo, entre 1984 e 1988, voltando diariamente em seu jatinho para dormir aqui. Obstinado por resultados, foi o primeiro patrão do economista Armínio Fraga, do banqueiro Daniel Dantas e do executivo Fernando Pinto, presidente da companhia áerea portuguesa TAP. “Ele é um mestre em simplificar as coisas e trazer à tona o melhor de cada um”, descreve Fraga.

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Tamanha reverência por parte de talentos das finanças e esportistas em geral não lhe trouxe unanimidade. Nas onze Olimpíadas às quais foi, adotou como praxe presentear atletas que o impressionavam. O agrado variava de 5?000 a 10?000 dólares. Em 1984, nos Jogos de Los Angeles, o corredor Joaquim Cruz, medalha de ouro nos 800 metros, estranhou a abordagem e dispensou rispidamente seu prêmio. Com João do Pulo (1954-1999), recordista mundial em salto triplo, a birra foi maior. Depois de ganhar o bronze em Moscou, o atleta voltava para o Brasil no mesmo avião que ele. Ao vê-lo, e feliz com a medalha, o ex-banqueiro disse que lhe daria um carro. Logo depois, seu técnico voltou dizendo que João agradecia, mas preferia ganhar uma casa. Irritado, decidiu não lhe dar mais nada.

Ansioso pelas grandes competições que acontecerão no Rio, Braguinha segue com seu apurado faro esportivo. Atualmente, apoia apenas três atletas: o tenista carioca Gabriel Dabdab, de 15 anos, o golfista Felipe Navarro, de 21, e o piloto Nicolas Costa, 21, atual campeão do circuito Abarth, que sonha com a Fórmula 1. A perspectiva de assistir à final da Copa de 2014 e à Olimpíada de 2016 no Rio deixa o mecenas entusiasmado. “Ninguém mais do que eu sonhou com um momento como esse”, afirma. Pela empolgação, não são pequenas as chances de encantar-se com futuros campeões e, quem sabe, voltar a abrir sua generosa carteira.

Em companhia dos ídolos

Não satisfeito com as conquistas nos negócios, ele patrocinou grandes campeões e se tornou amigo deles

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EMERSON FITTIPALDI

Primeiro brasileiro a se tornar bicampeão mundial de Fórmula 1 (1972 e 1974), ele contou com o apoio do ex-banqueiro já em 1970, quando estreou na modalidade. O próprio Braguinha o procurou em sua casa, pedindo para patrociná-lo. Na ocasião, não era parte da estratégia de marketing de seguradoras como a dele investir em corridas de automóveis. “Assim como aconteceu comigo, ele ajudou muita gente, simplesmente pela paixão”, recorda o piloto

PELÉ

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A amizade remonta à juventude do rei do futebol, ainda nos anos 60. Em pelo menos duas ocasiões, Braguinha o ajudou a se livrar de enrascadas financeiras. Uma delas foi depois de um péssimo investimento em uma fábrica de canos. Tamanha proximidade foi contemplada com um presente de valor incalculável: Pelé lhe deu as chuteiras com as quais, no Maracanã, em 1969, marcou seu milésimo gol. Elas estão no escritório do apartamento carioca de Braguinha. “Ele me ensinou muito sobre negócios”, diz nosso maior craque.

GUSTAVO KUERTEN

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O tenista catarinense guarda duas lembranças do difícil começo de sua carreira internacional: o aperto financeiro que enfrentava nas viagens ao exterior e a providencial recompensa que ganhava de Braguinha a cada vitória, o equivalente a 150 euros nos dias de hoje. “Era o suficiente para pagar a diária de hotel e as refeições do dia”, lembra Guga. Em 2000, ao ganhar pela segunda vez o torneio de Roland Garros, ele fez questão de abrir caminho em meio ao público e cumprimentá-lo em seu camarote (destaque)

AYRTON SENNA

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Ninguém conviveu tanto com Ayrton Senna entre 1988 e 1994 quanto ele, que o acompanhou em todas as corridas nesse período. A mansão que o corredor tinha em Angra, onde costumava pilotar jet ski, foi comprada de Braguinha. Em muitas ocasiões, lembra o amigo, Senna acordava dizendo-se inspirado. “Foi assim nas várias vezes em que venceu em Mônaco”, recorda.

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BERNARD

Criador do imbatível saque Jornada nas Estrelas, o carioca Bernard Rajzman fez parte da equipe Atlântica Boavista, financiada pela seguradora de Almeida Braga, ao lado de estrelas como Bernardinho, Renan e Fernandão. “A criação desse time mudou a história do vôlei no país. Se hoje nossa seleção está entre as melhores do mundo, muito se deve ao Braguinha. Ele é um Midas”, afirma Bernard.

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