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Terra de gigantes

Cerca de 20% da delegação brasileira é formada por atletas cariocas ou que treinam diariamente na cidade. Alguns deles vão a Londres com possibilidades concretas de alcançar a glória olímpica

Por Sérgio Garcia, Ernesto Neves e Renan França
Atualizado em 5 jun 2017, 14h27 - Publicado em 25 jul 2012, 15h49

Em meio a tantas obras e projetos espalhados de uma ponta a outra, o carioca já sente o gosto da Olimpíada que a cidade vai sediar daqui a quatro anos. Mas há um aperitivo e tanto no meio do caminho para ser saboreado. Na próxima sexta (27) acontece a cerimônia de abertura dos Jogos de Londres. A expectativa da organização é que os olhares de 4 bilhões de pessoas estejam voltados para estádios, arenas, quadras, piscinas, raias e pistas da capital inglesa, que recebe pela terceira vez o principal encontro esportivo do mundo. Nossa corrente estará direcionada para os 259 atletas brasileiros que vão marcar presença em trinta das 36 modalidades em disputa (só não teremos representação no badminton, nas ginásticas rítmica e de trampolim, no polo aquático, no hóquei sobre grama e em um tipo de ciclismo). Evidentemente, o coração vai bater ainda mais rápido por aqueles que vemos na praia, nas ruas e esquinas, sempre acompanhando suas conquistas. E não são poucos nessa condição. Nada menos que 20% da delegação é formada por atletas daqui, seja por terem nascido na cidade, seja por defenderem clubes do Rio. O levantador Bruninho, talento da nova geração do vôlei, se encaixa nos dois critérios. Recentemente, ele fechou contrato com o RJX, equipe bancada pelo bilionário Eike Batista, e está de volta à sua cidade natal, após sete temporadas em Florianópolis. Apesar da campanha claudicante que a seleção fez neste ano, o filho do técnico Bernardinho aposta na força da tradição. ?Somos favoritos, ao lado de Estados Unidos, Polônia, Rússia e Itália?, avalia.

Ao longo desta reportagem, destacamos sete competidores brasileiros que são ligados à nossa cidade e têm boas chances de trazer medalhas na bagagem. Esforço certamente não lhes faltará. Observadores mais argutos testemunharam a rígida disciplina da dupla Fabiana Beltrame, campeã mundial de remo, e Luana Bartholo na preparação para a competição. De segunda a sábado, elas treinavam na Lagoa Rodrigo de Freitas, numa jornada que começava antes do alvorecer e se estendia até o pôr do sol. Outro exemplo de superação, a judoca Rafaela Silva, que viveu uma infância pobre na Cidade de Deus, está pronta para distribuir ippons entre adversários bem menos assustadores que os traficantes da favela. Com a mesma fibra, o ginasta Diego Hypólito quer sepultar a frustração da última edição, em Pequim, quando perdeu o ouro por um erro no fim de sua exibição. ?Desta vez, não vou decepcionar?, promete. Que a dedicação de nossos representantes, cariocas ou não, seja recompensada com a glória olímpica.

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A hora da volta por cima

O ginasta Diego Hypólito aprimorou seu treinamento e se diz preparado para buscar o ouro que lhe escapou no último segundo em Pequim

A exibição foi irretocável durante um minuto e dois segundos. Porém, quis o destino que exatamente no último movimento Diego Hypólito errasse na aterrissagem e despencasse no chão. A falha tirou-lhe o ouro olímpico em Pequim, empurrou-o para a sexta colocação no torneio e ficou martelando em sua cabeça por muito tempo. O maior ginasta brasileiro da história tem agora, aos 25 anos, a oportunidade de apagar de vez essas imagens. ?Hoje, sei que meu maior rival sou eu mesmo?, conta. Após superar cinco lesões, o atleta do Flamengo embarca para Londres confiante. De 2008 para cá, seu treinamento mudou radicalmente. Se antes se dedicava quase exclusivamente aos aparelhos, passou a dar mais ênfase à musculação. O novo método deu resultado. No Pan de 2011, conquistou três medalhas de ouro: no solo, no salto sobre cavalo e na ginástica artística por equipes. Em Londres, ele decidiu que só vai disputar a categoria solo, na qual se sagrou bicampeão mundial.

Nascido em Santo André (SP), Diego ingressou cedo no esporte. Aos 7 anos, acompanhava os treinos da irmã mais velha, Daniele, que também estará em Londres. Ao arriscar as primeiras piruetas, chamou a atenção da técnica Georgette Vidor, que trouxe os dois irmãos para treinar no Flamengo, em 1995. ?Diego sempre teve um talento fora do comum?, diz ela. Depois de brilhar nos torneios de base, ele manteve o ritmo na categoria principal. Faturou três medalhas de ouro, uma de prata e três de bronze logo em seu segundo campeonato brasileiro, em 2002. Distante da euforia que antecede as grandes competições, o atleta diz ter a segurança de quem já superou os maiores desafios e manteve o equilíbrio nos piores momentos. ?Sei que tenho chances reais?, arrisca. Que desta vez o final seja feliz.

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Um salto para a história

O nadador Kaio Márcio se vê diante de um desafio que é do tamanho da Baía de Guanabara: encarar o maior atleta olímpico de todos os tempos

Com duas Olimpíadas na bagagem, o paraibano Kaio Márcio nunca esteve tão esperançoso. Aos 27 anos, ele se vê no auge da maturidade física e psicológica. ?Em Atenas e Pequim, fiquei tenso e disperso. Desta vez, estou mais focado?, resume. Desde o começo do ano, ele vem nadando em média 70 quilômetros por semana. Em Londres, vai disputar duas provas: 100 e 200 metros borboleta. A julgar pelo seu desempenho, ele tem credenciais de sobra para chegar à final olímpica da distância maior, da qual, inclusive, é o atual recordista mundial em piscina curta. Se não houver zebra, vai encarar – como em 2008 – o fenômeno Michael Phelps, o maior atleta olímpico de todos os tempos, ganhador de catorze medalhas de ouro. ?Ele é mesmo diferente. Mas todos os demais que se classificarem para a final terão a mesma chance de pódio?, analisa o brasileiro, que, com 1,77 metro, é 16 centímetros mais baixo que o americano. A seu favor, ele tem pés excepcionalmente largos, que o fazem calçar 44.

Filho de um ex-jogador da Seleção Brasileira de Polo Aquático e de uma dentista, Kaio ingressou na natação aos 9 anos para curar uma asma. Levava jeito para o futebol e o vôlei, mas pegou gosto pela piscina. Quando tinha 13 anos, decidiu se dedicar para valer, com ênfase no estilo borboleta. Logo se sagrou campeão brasileiro infantil na prova dos 100 metros, em 1997. Dois anos depois, deixou João Pessoa para vir treinar no Flamengo, onde permaneceu até 2001, quando voltou para sua cidade natal. Em 2010, assinou com o Fluminense e retornou para o Rio. Para não perder tempo, Kaio mora em frente à sede do clube. Por causa da Olimpíada, trancou a faculdade de desenho industrial no último semestre, sacrifício que será recompensado se ele conseguir um lugar no pódio.

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Corrida contra o tempo

Formada apenas neste ano, a dupla Fabiana Beltrame e Luana Bartholo remou contra o desentrosamento e agora vive a esperança de medalha

Aos 30 anos de idade, metade deles dedicada ao remo, a catarinense Fabiana Beltrame chega à sua terceira Olimpíada em trajetória ascendente. ?Amadureci, estou mais focada na técnica e fiquei mais exigente?, revela. Campeã mundial de skiff simples leve no ano passado, ela se viu forçada a fazer uma troca de última hora, uma vez que a categoria não está em disputa em Londres. Em fevereiro, começou a treinar no skiff duplo com a carioca Luana Bartholo, sua companheira de equipe no Flamengo. Já no mês seguinte, elas conseguiram a vaga para os Jogos ao chegar em segundo lugar na competição sul-americana. Desde então, o foco é um só. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, as moças enfrentam uma excruciante rotina de exercícios, esforço que tem como meta a classificação para a final da prova, em Eton Dorney, a quarenta minutos da capital inglesa. Para isso, elas pretendem baixar seu tempo para 7 minutos e meio, ou seja, reduzir em mais de dez segundos a melhor marca obtida. As duas estão esperançosas. ?Tivemos uma evolução muito rápida?, conta Fabiana.

Criada em Florianópolis, Fabiana é filha de uma dona de casa e de um comerciante. Sua paixão pelo remo surgiu em 1997, quando começou a treinar em um clube de sua cidade. Em meados da década de 2000, mudou-se para o Rio e competiu na categoria pesada. Com o nascimento de sua filha, Alice, em 2009, ela perdeu peso e teve de trocar de faixa. O problema de sua colega foi o oposto. Para se adequar ao máximo permitido na classe leve (até 59 quilos), Luana precisou emagrecer 10 quilos. Jornalista de 27 anos, no ano passado ela deixou o emprego de repórter em uma revista de noivas para dedicar-se inteiramente ao remo. Seu novo casamento esportivo promete.

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Com a força da Camisa

De volta ao Rio após sete anos, o levantador Bruninho aposta na mística da Seleção Brasileira de Vôlei para surpreender os descrentes

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Nos Jogos de Pequim, em 2008, a Seleção Brasileira de Vôlei Masculino vinha de uma campanha impecável que a credenciava como favorita absoluta ao ouro. O roteiro foi cumprido até a final, quando a equipe saiu derrotada pelo sexteto americano e amargou o segundo degrau do pódio. Ao contrário daquela ocasião, o caminho desta vez não foi brilhante, culminando com a precoce eliminação da Liga, em julho. Mas o histórico da seleção que mais venceu neste século, com seis títulos de nível mundial, restitui a esperança de uma grande participação em Londres. Afinal, os jogadores estão habituados a todo tipo de pressão, em especial o levantador Bruno Mossa de Rezende, o Bruninho. Chamado às pressas para o Pan do Rio, em 2007, para o lugar do levantador Ricardinho, cortado em cima da hora, ele teve de superar a desconfiança por ser filho do treinador Bernardinho. Por mérito próprio, não parou mais de ser convocado. ?O Ricardo era um cara em quem me espelhava. Substituí-lo foi muito difícil?, lembra. Pela primeira vez, fã e ídolo agora estão juntos na seleção, que terá uma pedreira pela frente. ?A disputa está muito parelha?, diz ele.

Carioca e torcedor do Botafogo, Bruninho gosta de ver com os amigos os jogos do Alvinegro. Solteiro, quando tem tempo – algo raro em sua rotina – ele vai a boates e bebe seu chope. Sempre que pode, viaja a Campinas para visitar a mãe, a ex-jogadora Vera Mossa. Depois de sete anos atuando em Florianópolis, Bruninho fechou contrato com o RJX, time bancado pelo bilionário Eike Batista e comandado por Bernardinho. ?Voltar a morar no Rio é um desejo que consegui realizar?, afirma. Falta agora concretizar seu outro sonho: ser campeão olímpico.

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A menina dura na queda

Nascida na Cidade de Deus, a judoca Rafaela Silva é um talento precoce que tem tudo para brilhar logo em sua primeira Olimpíada

Caçula e a única carioca entre os catorze atletas da equipe brasileira de judô, Rafaela Silva, de 20 anos, desembarca em Londres cercada de expectativas. Para obter a vaga na categoria leve (até 57 quilos), ela desbancou a renomada Ketleyn Quadros, que em 2008 conquistou o bronze em Pequim e se tornou a primeira brasileira a ganhar uma medalha olímpica em esportes individuais. Campeã mundial sub-20 e detentora de quatro títulos brasileiros nas categorias juvenil e júnior, Rafaela ficou em segundo lugar no Mundial adulto do ano passado, em Paris, competindo com adversárias bem mais experientes. Sua esperança de pódio reside no fato de já haver vencido algumas das lutadoras que chegam à Inglaterra com grande cartaz, caso da japonesa Kaori Matsumoto, da francesa Automne Pavia e da italiana Giulia Quintavalle, atual campeã, que foi derrotada pela brasileira nos três confrontos que tiveram. ?Nunca estive tão bem preparada?, resume a jovem.

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Nascida na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, ela sempre gostou de esportes. Nas ruas da favela, jogava bola, corria e soltava pipa. Vez ou outra se envolvia em brigas com garotos maiores e, para surpresa geral, invariavelmente saía em vantagem. Seu atrevimento chamou a atenção do técnico Geraldo Bernardes, que a convidou para treinar em sua escolinha, na própria localidade. A menina rueira decidiu levar a sério a atividade e passou a treinar no Instituto Reação, ONG do ex-judoca Flávio Canto, onde aprimorou seus golpes. Dona de um estilo agressivo no dojo, Rafaela atravessou a adolescência sem encontrar adversárias à altura no país. No videogame é a mesma coisa: jura que ninguém na delegação brasileira é páreo para ela. Tomara que na Olimpíada também seja assim.

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Que soprem os bons ventos

Depois de bater na trave nos últimos Jogos em sua briga por medalha, Ricardo Winicki dosa a adrenalina para, enfim, conquistar um lugar no pódio

Todas as últimas sete edições do campeo­nato mundial de windsurf tiveram vencedores diferentes, entre eles o carioca Ricardo Winicki, o Bimba. A alternância de ganhadores dá bem uma ideia do equilíbrio na classe RS-X. Aos 32 anos, Bimba tem a última oportunidade de conquistar a tão almejada medalha olímpica na modalidade. É que nos Jogos de 2016, aqui no Rio, o windsurf vai dar lugar ao kitesurf. A caminho de sua quarta participação na competição, ele faz um balanço de sua trajetória. Na estreia, em Sydney, ficou nervoso demais e amargou o 15º lugar. Quatro anos depois, em Atenas, ocorreu o contrário. ?Entrei com uma tranquilidade excessiva e competi me sentindo um soberano?, confessa o velejador, que liderou até a última e desastrosa regata e acabou fora do pódio. Em Pequim, bateu na trave novamente. Das derrotas extraiu lições importantes. ?Atingir o equilíbrio demanda tempo e experiência?, diz.

Bimba passa três horas por dia velejando em Búzios, onde vive com a mulher, a iatista Paula Newlands, e a filha, Nina, de 4 anos. Alterna o treino com sessões de musculação, pilates e exercícios aeróbicos. Para se adaptar às condições da competição, passou quarenta dias na Inglaterra. Uma rotina na água que ele conhece bem desde pequeno, quando velejava com o pai. Aos 11 anos, matriculou-se numa escolinha de prancha a vela na Barra e logo começou a competir. Após um desempenho surpreendente em torneios de base, foi içado a confrontar-se com os adultos. Sua última conquista importante foi o ouro no Pan de Guadalajara, no ano passado. Deu a medalha de presente à filha. ?Nina é um impulso a mais depois de todos esses anos de dedicação?, diz ele. Que os bons ventos o impulsionem também rumo ao pódio.

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