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Manifestação em família

- Vou hoje com você, hein? – avisou à filha de 16 anos. – Vai aonde, pai? – Na manifestação, ué. – Tá louco? Nem pensar. Vou com os meus amigos. – Com os seus amigos e comigo. Ou só você pode lutar por um país melhor? – Fala sério, pai! Pai em manifestação é […]

Por thalita
Atualizado em 25 fev 2017, 19h04 - Publicado em 25 jun 2013, 03h27

– Vou hoje com você, hein? – avisou à filha de 16 anos.
– Vai aonde, pai?
– Na manifestação, ué.
– Tá louco? Nem pensar. Vou com os meus amigos.
– Com os seus amigos e comigo. Ou só você pode lutar por um país melhor?
– Fala sério, pai! Pai em manifestação é mico.
– Mico é o que você acabou de falar. Quanto mais gente, melhor para o país. Você vai para a manifestação protestar contra a roubalheira ou vai pra festa? É manifestação ou micareta? Se for só clima de oba-oba alguma coisa está muito errada, filha.

Ela ficou pensativa, entre irritada e envergonhada. Talvez existisse a esperança de um leve clima de festa para uma menina de 16 anos.

– E desde quando você frequenta manifestação para saber como é o clima?
– Eu fui cara pintada, mocinha! Com muito orgulho!
– E vocês queriam o quê, mesmo?
– O impeachment do Collor.
– Só isso?
– Como assim ‘só isso’?
– Ué, agora o povo tá indignado com um monte de coisas que estão erradas.
– Você sabe que coisas? – testou ele.
– Sei… Saúde, educação, transporte, corrupção.
– Pois é, um lado meu acha isso muito bacana, mas outro ainda está em dúvida se essa quantidade de reclamações é boa ou ruim.
– Ai, preciso perguntar: como é que vocês se organizavam na época do Collor? Não tinha Twitter, não tinha Face! Meu Deus! Não tinha nem celular!

Do jeito que ela falava, parecia que o pai tinha sido jovem durante a Idade Média.

– No meu tempo já existia um negócio chamado telefone. Ah! Também tinha outra coisa muito esquisita: a gente conversava olhando no olho.
– E como é que geral ficava sabendo das manifestações?
– O tal do boca a boca existe desde que o mundo é mundo, minha filha.
– Que estranho… Não consigo imaginar – disse, sincera, a garota.
– Estranho foi ver o povo indo às ruas depois de tanto tempo calado. Foi muito bonito ver tudo acontecer, muito emocionante estar nas passeatas, fazer parte daquele movimento.
– Por isso você chorou ontem vendo as imagens no Jornal Nacional? Lembrou do seu tempo?
– Por isso e por ver que #ogiganteacordou, #mudaBrasil #saímosdoFacebook #vemprarua.
– Não acredito que você falou hashtag antes de tudo! Você é tão sem noção! – riu a menina.
– Mas não é assim que vocês falam?
– Claro que não, pai!
– Não importa, #euvoucomvocêepronto – brincou mais uma vez.

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Vestiram camisetas brancas e se divertiram pintando seus rostos de verde e amarelo. Quando chegaram à Rio Branco, ele comentou:

– Filha, você tem noção de que isso que estamos vivendo hoje vai entrar para a história do nosso país?

Os olhos dela brilharam. Ele continuou, sério:

– Não sei se vou viver para ver todas as mudanças que esse movimento pode gerar, mas ele é muito importante para que você e os seus filhos vivam num país mais justo.
– Nada disso, pai! Sem discurso deprê! Você ainda vai viver muito! – afirmou, enfática. – Agora me bota no seu ombro?
– No ombro? Não sei se aguento por muito tempo, você cresceu rápido demais.
– Ah, pai, só um pouco! Como você fazia quando eu era criança, lembra?
– Claro que lembro. Foi outro dia – disse, nostálgico, colocando a menina sobre os ombros.

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Assim, cúmplices, parceiros, otimistas e felizes, pai e filha entraram no meio da multidão, cantando o hino nacional.

Depois da passeata ele levou a menina e seus amigos para lanchar e ficou emocionado ao ouvir os comentários dos jovens, cada vez mais coerentes, e ao ver de perto o amadurecimento cívico da filha acontecendo ali, bem na sua frente.

Para não pagar mico, foi chorar no banheiro.

De orgulho.

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