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Blog do novelista Manoel Carlos
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Uma tarde vazia de verão

Leia na crônica de Manoel Carlos

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h14 - Publicado em 16 jan 2017, 21h11

Tínhamos uma vizinha de bairro, dona Alzira, que apanhava muito do marido. Às vezes gritava tanto que os vizinhos socorriam. Quando o marido morreu, depois de um período de luto e recolhimento dona Alzira reapareceu, suspirando. Minha mãe argumentou com certa impaciência:

— Bem, Alzira, imagino que você esteja sofrendo, mas… pense bem. Agora, pelo menos, você não apanha mais!

E ouvimos dona Alzira suspirar e dizer, as lágrimas reaparecendo:

— Sabe de uma coisa? A saudade está doendo mais do que as surras que eu levava.

***

Começo de um novo ano, assuntos esgotados: Natal, réveillon, votos gerais de boas festas. Enfim, os bordões habituais a essa época. Palavras de esperança, sempre ela, essa dama que nos atrai e nos repele, nos acarinha e nos maltrata, e que está sempre presente nos lábios, nos olhos e no coração de todos, mesmo aqueles que se declaram desesperançados.

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— Principalmente esses — afirmou alguém.

E o assunto seguiu, sem que nenhum de nós tivesse ânimo de mudar o rumo da conversa.

— Repetindo vagamente um texto de Machado de Assis, perder a esperança não é perder, inevitavelmente, o desejo. Esse pode ser preservado.

Nesse momento, nossa querida Carla perguntou à queima­-roupa: de que adianta conservar o desejo sem esperança? E por que manter a esperança se o desejo já se foi?

Alguém protestou:

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— Calma. Nada de começar o ano num clima deprê! Vamos achar que 2017 será melhor que 2016.

— E vamos acreditar também que Papai Noel existe.

— Ué, e ele não existe?

— O que sei é que aprendemos muito com a realidade.

— Aprendemos mais com a ficção.

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— Pronto, lá vem você com suas frases de efeito.

E com isso começava uma discussão que só serenava quando abríamos outra garrafa de um branco servido muito frio, quase gelado, e que descia pela garganta como fios de seda.

***

Gostamos desse papo de café. Cortar a continuidade dos temas abordados com outros temas que logo serão substituídos, numa ronda sem fim. Assuntos variados e sem roteiro.

— Palavras, palavras, palavras… como dizia o pobre Hamlet.

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— Pobre ou nobre?

— Pobre e nobre!

— Era sobre isso que falávamos no Café Severino.

— Sobre isso o quê?

— Sobre coisa nenhuma.

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— Ah, bom.

Ah, muitas eram as tardes de verão que perdíamos nessas divagações sem fim.

— Perdíamos? Acho que ganhávamos.

— É, pode ser.

— Isso está parecendo conversa de bêbado.

— Ou de louco.

Estou me lembrando da reflexão de Chesterton sobre os dementes: o louco é aquele que perdeu tudo, menos o juízo.

— É, pode ser…

— É só isso que você vai dizer hoje?

— Por que não?

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