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Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD.
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
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Espiritualidade faz bem à saúde?

O cardiodiologista Dr. Maurício Wajngarten esclarece tudo sobre o assunto instigante

Por Fabiano Serfaty e Maurício Wajngarten
Atualizado em 26 jul 2017, 18h08 - Publicado em 26 jul 2017, 14h31

Apesar de a espiritualidade e das crenças individuais frequentemente estarem presentes no processo de saúde e doença, na maioria das vezes não são levados em consideração pelos médicos. Para debater melhor este assunto tão instigante, convidei o cardiodiologista Dr. Maurício Wajngarten para um bate-papo.

Neste link, confira uma entrevista com o especialista gravada durante o 38º congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.

Fabiano – Maurício, em que momento você começou a pesquisar sobre espiritualidade e saúde?

Há aproximadamente três anos fui convidado a participar de um grupo de estudos da Sociedade Brasileira de Cardiologia que estava em formação: o Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (GEMCA). Devo esclarecer que a Sociedade possui Grupos de Estudo e Departamentos que promovem ensino e pesquisa sobre diversos temas como cardiologia clínica, geriatria, hipertensão, coronárias, etc. Os cardiologistas pertencentes à Sociedade podem se associar a um ou mais grupos conforme os temas que consideram mais relevantes.

Fiquei em dúvida em aceitar o convite. O tema Espiritualidade é desafiador. Sobretudo quando buscamos analisar eventuais influências dela sobre a nossa saúde. Os nossos colegas acolheriam ou desprezariam desconfiadamente a esse grupo? Acabei aceitando o convite ao ver quem liderava a formação do grupo. Eram amigos de longa data, cardiologistas renomados e dedicados ao progresso da cardiologia brasileira. Entre outros, Álvaro Avezum Junior, Roberto Esporcatte, Lucélia Magalhães, Emilio Hideyuki Moriguchi, Mario Henrique Elesbao de Borba, Celso Amodeu, José Carlos Nicolau, Fernando Antonio Lucchese, Fernando Nobre, Ney Carter do Carmo Borges, Mauro Pontes, Domingo Braile.

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Além disso o tema é fascinante na medida em que a enorme maioria da população brasileira é ligada a alguma crença.

A inclusão do tema nos congressos foi trabalhosa. Porém, foi impossível ignorar o enorme interesse dos colegas. Os auditórios lotavam! O grupo tornou-se o campeão em número de sócios da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Da minha parte fui obrigado a estudar mais sobre o tema. A cada participação um novo desafio. Algumas perguntas e discussões foram acaloradas. Cito algumas:

Fabiano – Para pesquisar as influências sobre a saúde como é possível mensurar espiritualidade?
Espiritualidade é difícil medir, pois é pessoal, livre de regras, regulamentos e responsabilidades associadas com a religião. Uma pessoa pode ser espiritual, mas não religiosa. Nas pesquisas a religiosidade é mais fácil de ser mensurada através de questionários, pois é um sistema organizado de crenças, práticas e símbolos.

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Fabiano – Existem comprovações sobre benefícios da espiritualidade ou religiosidade para a saúde cardiovascular?

De modo geral temos poucas pesquisas de qualidade, com rigor científico, especialmente no Brasil. A primeira grande limitação é a dificuldade em mensurar espiritualidade e religiosidade. Limitações e críticas à parte, a maioria das pesquisas sugere benefícios no controle sobre os fatores de risco, especialmente tabagismo, uso ou abuso de álcool e drogas, inatividade física e dieta inadequada. Além disso, a maior parte dos estudos sugere que espiritualidade e religiosidade reduziriam a propensão à pressão alta, eventos coronarianos e até mortalidade. Recentemente, estudo publicado na prestigiosa revista JAMA (Journal of the American Medical Association) recomendou maior atenção à religiosidade. Acompanhamento cuidadoso, de longo prazo, de 75 mil enfermeiras concluiu que frequentar assiduamente serviços religiosos associou-se à redução de mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer.

(Reprodução/Reprodução)

Fabiano- Se existem benefícios relacionados à espiritualidade e religiosidade, quais são os mecanismos que podem explicá-los? 

É muito difícil produzir evidencias cientificas sobre o transcendental. Obviamente, é mais simples produzir estudos sugerindo que os benefícios à saúde relacionados à espiritualidade e religiosidade viriam através da melhora dos perfis psicológicos, sociais e comportamentais. Pessoas com maior espiritualidade e religiosidade teriam menos estresse, depressão, ansiedade, baixa auto -estima, desesperança. Teriam mais otimismo e saberiam perdoar e enfrentar melhor adversidades.   Do ponto de vista social as pessoas teriam maior envolvimento comunitário e familiar, criando redes e apoios que favorecem educação, estabilidade financeira e maior fluxo de informação em saúde. Finalmente, espiritualidade e religiosidade estimulariam comportamento saudável, honestidade e responsabilidade com maior adesão a orientações e tratamentos médicos.

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 Fabiano – Se os benefícios são relacionados a melhoras psicossociais, podemos comparar os guias espirituais e religiosos a psicólogos ou professores?

Eu fiz essa pergunta ao Dr. Harold Koenig, pesquisador da Duke University. Sem pestanejar, ele respondeu que sim, podemos comparar, porém, com uma diferença: muitas pessoas abandonam o psicólogo enquanto poucas abandonam os seus guias.

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Fabiano- Quando e como devemos abordar o assunto com pacientes e seus familiares?

A abordagem requer sensibilidade, intuição e bom senso do profissional da saúde, para reconhecer com quem e em que momento o tema deve ser levantado. Afinal, não são todos os pacientes, familiares e profissionais da saúde que desejam tocar no assunto. Fernando Nobre, da USP- Ribeirão Preto, definiu cenários: desconfortos inexistem quando todos querem ou quando ninguém quer tocar no assunto, mas podem surgir quando apenas uma das partes deseja a abordagem. Vale ressaltar que frequentemente esta abordagem pode proporcionar acolhimento e conforto a pacientes e familiares que enfrentam doenças muito graves e a terminalidade.  Tudo indica que, nós, profissionais da saúde, precisamos aprender a lidar melhor com o tema.

Fabiano- Como, então, podemos aprender mais sobre o assunto?

O GEMCA tem procurado discutir e aprimorar os conhecimentos sobre o tema nos congressos de cardiologia. Muitos defendem a inclusão dele nos currículos das faculdades de ciências da saúde. Desde cedo os alunos receberiam informações relacionadas a espiritualidade e religiosidade afim de facilitar a abordagem do tema. Em consequência, poderíamos melhorar a relação com os pacientes, com benefícios na prevenção e no controle das doenças. Além disso, haveria maior estimulo para a realização de pesquisas de qualidade.

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Estudo feito em Portugal e publicado no International Journal of Gerontology mostrou que os maiores fatores para uma boa adaptação ao envelhecimento foram ocupação e envolvimento social para aqueles entre 75 e 85 anos, enquanto prevaleceram espiritualidade e saúde para os idosos com mais de 85 anos. Esses conhecimentos são importantes para implementar programas de saúde destinados a esse grupo que vem crescendo rapidamente em todo o mundo e especialmente no Brasil. Tudo a ver, concordam?

Enfim, acho que as raízes sociais e culturais do nosso país recomendam a valorização do tema. Independentemente de credos, todos sairemos ganhando com isso. A saúde agradece!

 

Referências:

https://portugues.medscape.com/verartigo/6501344?src=socesp_acq_mscmrk_vejario_pt&faf=1

Mauricio Wajngarten é Professor-associado do Departamento de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP e Cardiologista do Hospital Albert Einstein, São Paulo.  (Arquivo pessoal/Reprodução)
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