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Is Opera racist?

Oportunamente, em tempos de Spike Lee & Cia. questionando a ausência de artistas negros na lista de atores indicados ao Oscar fica difícil não refletir sobre o nosso próprio racismo — no Brasil e na ópera. Sobre o tal Oscar, sinceramente, não acho a premiação atualmente suficientemente séria para merecer tanto status. Mas toda discussão […]

Por fernanda
Atualizado em 25 fev 2017, 17h40 - Publicado em 26 jan 2016, 11h24

Oportunamente, em tempos de Spike Lee & Cia. questionando a ausência de artistas negros na lista de atores indicados ao Oscar fica difícil não refletir sobre o nosso próprio racismo — no Brasil e na ópera. Sobre o tal Oscar, sinceramente, não acho a premiação atualmente suficientemente séria para merecer tanto status. Mas toda discussão é importante; falar e refletir sobre um assunto é a arma mais fatal contra todas as formas de tirania. O fato é que há muito o Oscar é basicamente uma festa muito divertida, onde mais ou menos as mesmas pessoas, com as mesmas caras (literalmente), mostram seus vestidos mais ou menos iguais, premiando umas as outras. Claro que há talento de sobra, grandes obras e uma incrível indústria. O que seria importante — ao menos para mim — é questionar a falta de filmes e histórias que deem oportunidades a todas as etnias. Ainda que houvesse uma maioria velada, indicação é fruto de oportunidade. Nem a pra lá de infeliz declaração da Charlotte Rampling importa; podia ter ficado classicamente calada, mas sua trajetória é tão elegante que prefiro pensar no todo e não numa fala infeliz e talvez fora de contexto.

Oportunidade é sempre o centro da questão. Ainda nos EUA, mas na ópera, a entrada de artistas negros na elite do canto demorou. A primeira “afro-americana” a conseguir cantar no Metropolitan de NY foi o lendário contralto Marian Anderson, mas isso somente em 1955 e no papel de uma espécie de bruxa-adivinhadora. No inicio da ópera, aliás, um Juiz acusa-a de ser “del immondo sangue dei negri.” Tremenda batata quente para cantar ainda em nossos dias: em 2005 eu remontava essa mesma ópera em Londres e, depois do ensaio geral, veio a ordem de mudar o texto. Alguém do publico tinha reclamado e decidiram usar a segunda versão de frase: ““del immondo sangue del gitano.” E assim a ópera foi à cena, aparentemente ofender ciganos era menos mal. E depois de Anderson, quem realmente derrubou os preconceitos no Met de NY foi a grande Leontyne Price. Diga-se de passagem, uma das maiores artistas lÍricas do século XX e dona de um humor afiado. Uma vez, discutindo com o diretor do MET sua participação na papel titulo da ópera-faroeste “La Fanciulla del West”, de Puccini, numa turnê para Atlanta surgiu o problema de que ela, a prima donna, não poderia ficar no mesmo hotel que o resto da companhia por ser negra. Sua resposta afiada foi: “Tenho certeza de que você poderá encontrar um lugar para mim e para o cavalo.”

Num país onde oportunismo supera oportunidade, nossa ópera deu poucas chances aos cantores negros. Se quiser ser otimista, posso pensar que somos todos um pouco mulatos e que então a etnia negra é de alguma forma representada. O problema é que não dá para ser muito otimista. O número de divas e divos está de uma forma ou de outra relacionado à quantidade de gente que tem coragem de estudar canto, regência, direção, figurino, cenografia ou música “erudita” nesse país. São poucos os que têm acesso à possibilidade de estudar, a realidade é essa — e influi no numero de cantores negros que aparecem e brilham nos palcos brasileiros. Infelizmente, não conheço um só cantor lírico negro no Brasil que não tenha uma reclamação de preconceito. E há cantores excelentes e que conquistaram seu espaço a duras penas. Mas esse espaço é pequeno. Que dizer do espaço sobra para os sonhos dos cantores negros — ou mesmo de origem índígena! — no Brasil se ainda existe um distinção criminosa entre artistas brasileiros e estrangeiros? Sim, criminosa. Não porque o estrangeiro não seja mal quisto: 10 entre 10 vezes é mais do que bem vindo entre nós. Porém porque os próprios brasileiros colocam-se em segundo plano. Num país onde uns teatros públicos, custeados por impostos de brasileiros, se dão ao luxo de pagar estrangeiros, e às vezes esbanjando, ao passo que deixam artistas brasileiros meses sem receber o que lhes devem, as divas e os divos não estão conseguindo vaga nem junto ao cavalo; a verdade é essa.

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